Betania Tanure: transformações geram conflito organizacional e impõem desafios à cultura e à reputação

Método e ritmo são mandatórios para promover mudanças, que devem atender aos objetivos de desempenho, diz consultora

Christianne Schmitt


Betania Tanure / Foto: Divulgação

Confiança dos stakeholders, reputação corporativa positiva e cultura organizacional engajadora são vantagens competitivas cada vez mais relevantes, em especial nestes tempos disruptivos. O Reputation Feed entrevistou Betania Tanure com o objetivo de avaliar os efeitos das transformações de comportamento no ambiente corporativo e de lançar luz sobre os desafios que se colocam para os líderes em 2024.

Referência em cultura organizacional, a sócia-fundadora da Betania Tanure Associados – BTA faz reflexões importantes sobre o papel da liderança na condução das mudanças. Também analisa os desafios dos novos formatos de trabalho e elenca os principais riscos para a manutenção da cultura na empresa e o seu impacto na reputação da organização.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, com a consultora, professora, membro de conselhos de administração e comitês de gestão de pessoas e autora de uma dezena de livros nas áreas em que atua, Betania Tanure:

Quais são as principais mudanças que você percebe nas empresas em relação à cultura organizacional?

Nós vivemos uma crise que mudou o jeito de as pessoas trabalharem, viverem e consumirem, durante e depois da pandemia. Pela primeira vez, e isso é fonte de pesquisa nossa, as pessoas estão colocando as suas necessidades individuais à frente das empresariais. Isso gera um conflito importante do ponto de vista organizacional e uma questão de como (a mudança) é acolhida pela cultura da organização.

Essa situação ocorre em todas as camadas das organizações?

Em todas. É claro que a forma de expressar da camada do C-Level é diferente da camada dos supervisores. A cultura organizacional é impactada fortemente pela liderança e pela cultura nacional. Do ponto de vista da cultura nacional, temos três eixos principais no Brasil: o eixo de como se lida com o poder, o das relações e o da flexibilidade. Esses eixos também estão em fase de mudança. Não raramente, as pessoas falam que querem descentralização de poder, mas não sabem como fazer. Então, além do desejo de fazer, é preciso uma aprendizagem do como fazer diferente na cultura organizacional.

Nesse cenário de transformação, como a reputação corporativa impacta na cultura organizacional e vice-versa?

Na minha visão, a reputação é uma resultante de um conjunto de coisas e tem relação absolutamente forte e indissociável com a cultura organizacional. A cultura vai permitir, não sozinha, que o discurso articulado, institucional, seja verdade ou não; porque, quanto mais articulado o discurso e mais distante da prática, mais negativamente é afetada a reputação. Muitas vezes, o descolamento entre o discurso e a prática nem é conhecido pelo C-Level, pela alta administração, pelo conselho. Não porque não querem saber, mas, às vezes, as pessoas desconhecem a organização porque a janela de observação delas é a do poder.


Esse lugar de poder também está sofrendo uma transformação simultânea às mudanças da sociedade, que começa a priorizar mais as suas necessidades individuais?

Sim, está mudando. A pergunta que se precisa fazer em cada organização é se esse “está mudando” naturalmente atende à visão de desempenho organizacional. No limite, isso desafia e impacta a última linha, o desempenho, o resultado. É possível fazer isso de uma maneira natural, mas pode demorar 15 anos. Quais são os dois principais papéis do líder? O primeiro deles é mudar ou acelerar o fluxo natural. Se o fluxo natural não está bom, muda. Se está bom, acelera. Processo de mudança de cultura é isso, ou você muda o fluxo ou acelera. Não precisa de líder, se for deixar que o processo aconteça naturalmente.

Ou seja, a mudança precisa de método e processo para acontecer.

Isso, método e processo e precisa ter ritmo. A liderança também tem o papel de regular a ansiedade organizacional. Ou seja, cabe ao líder ajudar a diminui-la, se a organização está com um grau de ansiedade muito forte, porque isso impacta no desempenho. As pessoas trabalham, trabalham e não saem do lugar, tomam decisões erradas, vão-e-voltam, não tomam risco. E, quando a organização está exageradamente calma, se considera craque, avalia concorrentes como ruins, cabe ao líder aumentar a ansiedade organizacional para garantir o processo de mudança.

Os novos formatos de trabalho, como os modelos híbrido e remoto, devem permanecer? Qual a sua repercussão na cultura organizacional e na reputação das empresas?

O impacto depende de alguns fatores. Nós, brasileiros, somos megarrelacionais, relação primeiro, business depois. Nas culturas individualistas, como os Estados Unidos, o trabalho não presencial tem um impacto diferente. Além disso, já tivemos um retorno ao presencial significativo, e a tendência é de acomodação. Em relação à cultura e à reputação, o primeiro desafio das organizações é considerar a consistência com o modelo de negócio, os valores fundamentais e a forma na qual a organização está estruturada para ser gerida. Não pode ser uma escolha de moda.

Novos formatos de trabalho e seus desafios

  • Escolha do formato tem que ser consiste com o modelo do negócio;
  • Utilizar aprendizados colhidos durante a pandemia da Covid-19, ou seja, avaliar o que funcionou e o que não funcionou;
  • Articular todos os elementos antes da implementação.

O segundo desafio é garantir o aprendizado do tempo da pandemia. Por exemplo: o que se aprendeu em relação à descentralização e aos tipos de atividades que precisam ser presenciais e aqueles em que o trabalho remoto é melhor? A resposta não é única, nem simples; esses diferentes elementos precisam ser articulados.

Como a reputação dos líderes pode ajudar a fortalecer a cultura da empresa ou, em alguns casos, até mesmo subtrair? Essa é uma preocupação hoje nos boards e comitês executivos?

Cada vez mais, a reputação das pessoas e da empresa se misturam. A empresa empresta a sua reputação para as pessoas e as pessoas para as empresas. Há uma discussão sobre o limite ético do quanto uma empresa pode ou deve influenciar as escolhas de cada um, mas, por outro lado, as pessoas precisam ter seus valores individuais conectados com a cultura da organização para isso fazer sentido. Senão, é como uma bola de plástico na piscina: enquanto você a segura, ela fica embaixo da água, se você para de segurar, ela sobe. Se os valores individuais são muito diferentes dos valores organizacionais, o indivíduo ou a sua liderança ou o contexto têm que fazer força para a bola ficar debaixo d’água e, aí, há perda de energia produtiva.

Quais são os maiores riscos para a manutenção da cultura organizacional e como podem impactar na reputação?

O descolamento entre a cultura organizacional e o que a empresa coloca como aquela que quer ter traz um risco reputacional enorme. Também representa um risco reputacional não compreender a natureza das mudanças sociais em curso. O mal, como as fake news, por exemplo, também é um risco. Como se lida com o mal, que é mais ousado do que o bem e tem estratégias mortais? Não é simples.

Riscos à cultura e impacto na reputação

  • Descolamento entre a cultura reputacional desejada e a praticada;
  • Falta de compreensão da natureza das mudanças sociais;
  • Práticas maliciosas como o fenômeno da desinformação e da disseminação de fake news.

Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
Christianne.schmitt@reputationfeed.com.br


ENQUETE

Na sua opinião, o uso excessivo do celular afeta a imagem e a reputação pessoal?

PUBLICAÇÕES RELACIONADAS

Por que a geração 50+ pode favorecer a reputação nas empresas
Onboarding
4 MIN.

Por que a geração 50+ pode favorecer a reputação nas empresas

Especialistas apontam que diversidade etária contribui para compartilhamento de experiências e para imagem positiva junto a stakeholders

Mariana Mondini
Leia mais
O papel do líder na reputação da empresa
Artigo
3 MIN.

O papel do líder na reputação da empresa

Gestores têm de transmitir confiança para preservar a reputação da empresa e de líderes

Por Lorival Luz
Leia mais
Novas habilidades contribuem para jornada de reputação
Board
3 MIN.

Novas habilidades contribuem para jornada de reputação

Ser líder significa gerenciar situações que requerem posicionamento sobre questões da agenda da sociedade

Mariana Mondini
Leia mais
Mulheres podem favorecer sustentabilidade nas empresas
Curadoria ANK
2 MIN.

Mulheres podem favorecer sustentabilidade nas empresas

Estudo da FGV mostra relação positiva entre presença feminina e desempenho em ESG

Redação Reputation Feed
Leia mais
COMENTÁRIO

Preencha o formulário abaixo para enviar seu comentário:

Confira a opinião de quem já leu este conteúdo:

(nenhum comentário)