“Pensamos todos os dias em como impactar a operação das marcas parceiras e a vida dos nossos consumidores”, diz CEO da Privalia

Fernando Boscolo, líder da plataforma que começou como outlet digital e hoje é um hub de soluções completas para marcas, fala sobre a importância de reputação, consistência e coerência para os negócios

Christianne Schmitt

“Com o tempo, estabelecemos um ciclo virtuoso, quanto mais marcas estivessem entrando, mais consumidores também entravam”, lembra Boscolo – Fotos: Júlio Cordeiro / Reputation Feed

Há diferença entre construir e manter reputação positiva no varejo e nos serviços em formato tradicional e em um negócio digital? Nenhuma, afirma o CEO da Privalia, Fernando Boscolo, que lidera a expansão da empresa no Brasil, pioneira em outlet digital que vem se transformando em um amplo ecossistema de conexão entre marcas e consumidores.

Reputação se forma a partir de um discurso coerente com a prática e a consistência desse comportamento ao longo do tempo, afirma Boscolo, há oito anos à frente da empresa, que é a única operação fora do mercado europeu que faz parte do gigante grupo de e-commerce Veepee. “O que mudou é o quanto estamos expostos”, diz o executivo, que tem mais de 20 anos de experiência nas áreas de tecnologia e inovação, gestão, vendas e distribuição e boa parte de sua carreira desenvolvida na Natura&Co.

A Privalia conecta 600 marcas a cerca de 19 milhões de consumidores cadastrados (quase uma Minas Gerais inteira, o segundo Estado com maior população do país) e tem receita anual de R$ 1 bilhão. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que trata sobre reputação, relacionamento com clientes, liderança, estratégia e planos para o futuro.

Como é construir e manter reputação em um negócio 100% digital? Quais são os principais desafios?

Construímos reputação quando estabelecemos um discurso coerente com a prática e temos consistência entre o que dizemos e fazemos ao longo do tempo. Não é algo específico do digital ou do físico. O que mudou é o quanto estamos expostos, e isso traz um desafio ainda maior, no sentido de manter a consistência e a coerência, e com isso, a reputação. Se você, de verdade, não for consistente no seu comportamento, no que você fala e faz como organização, imediatamente as pessoas vão identificar e repercutir das mais diversas formas gerando exposição, por exemplo, nas mídias sociais.

Qual a diferença entre trabalhar reputação para o B2B e o B2C? O que importa para o público final e para as empresas parceiras?

A Privalia tem um modelo bem diferente, que a gente chama de B2B2C ou B4B2C. Trabalhamos para as marcas para que elas possam chegar até os consumidores finais. De fato, o que se espera do ponto de vista das marcas é diferente do que é desejado pelos consumidores, mas, nas duas pontas, se espera consistência e coerência. O que as marcas querem? Um parceiro transparente, que entenda as suas dores e, consistentemente, procure resolver seus problemas. Que ouça e não pense em soluções de curto prazo diante de dificuldades. Isso também tem tudo a ver com reputação e coerência.

A Privalia evoluiu de um outlet digital para um ecossistema full service de conexão entre marcas e consumidores no ambiente digital. Esse movimento exigiu mudanças no posicionamento da marca?

Estamos no Brasil desde 2008 e fomos criados para resolver a sobra de estoques das coleções, de uma forma digital, rápida, que não canibalizasse vendas nos canais principais das marcas. Com o tempo, estabelecemos um ciclo virtuoso, quanto mais marcas estivessem entrando, mais consumidores também entravam.

Brandsplace
Marketplace formado por lojas fixas, com curadoria de marcas premium, em que os clientes têm total controle de sua oferta, preços, distribuição e storytelling.

Privalia Ads
Soluções de retail media customizadas e produção ágil de conteúdo para marcas, com time de especialistas e 17 estúdios próprios para produção de campanhas e conteúdos (Digital Factory).

Hoje, conectamos 600 marcas nacionais e internacionais desejadas de moda e acessórios a uma base gigantesca de 19 milhões de consumidores registrados. Criamos um motor de geração de tráfego orgânico, sem precisar pagar nada por isso, nossas próprias ofertas geram esse tráfego e essa atenção das pessoas.

Com uma plataforma capaz de gerar organicamente 500 mil pessoas por dia, crescendo, estudamos o que mais poderíamos fazer para contribuir para que as marcas chegassem a esses consumidores. Criamos, então, as frentes de negócios Brandsplace e Privalia Ads. O que fazemos é ir complementando, porque nos tornamos um hub que atrai, através do nosso negócio principal, o outlet, um tráfego extremamente qualificado, recorrente e orgânico.

O público percebeu essa guinada?

Estamos num processo. O desafio é mostrar que somos muito mais do que um outlet. Temos orgulho de continuarmos sendo um outlet que ajuda as marcas a venderem seus produtos fora de coleção, e vamos contribuir muito mais.

Como esses primeiros resultados são medidos?

O nosso Brandsplace já conta com mais de 100 marcas parceiras, em alguns casos já somos o principal canal de vendas online dos parceiros. Também estamos positivamente surpresos com a adesão das marcas para a vertical de publicidade que atraiu, em seus primeiros meses, 28 marcas diferentes, sendo 16 delas já parceiras da plataforma, enquanto 12 estrearam na Privalia via retail media. Temos taxa de impressão e taxa de performance 3 a 4 vezes maiores do que as do mercado. Por quê? Basicamente, a gente compete com outras plataformas de exposição e comunicação do produto, só que somos muito eficientes, pois juntamos um alto volume de visitas e tráfego com pessoas mais propensas a comprar. Então, imagine a diferença entre um usuário de um site de notícias que vê uma propaganda e alguém que vê um anúncio, do mesmo produto, enquanto estiver navegando em busca por marca. Quem está na Privalia está interessado em comprar algo. Quem está navegando em um site de notícias não está pensando em comprar.

Eventuais crises de imagem e reputação envolvendo marcas do portfólio podem atingir também a Privalia? Como se proteger?

Procuramos trabalhar sempre com marcas reconhecidas no mercado e que tenham uma boa reputação. Fazemos uma análise em relação a número de seguidores, ao perfil e à reputação de cada uma das marcas antes de trazê-las para o portfólio. Também fazemos uma curadoria de quais são as marcas que desejamos para o Ads. Não queremos correr o risco de ter uma marca fazendo uma propaganda que não concordamos, e que não seja coerente com a nossa proposta de valor e com o life style que o nosso consumidor busca.

Você já viveu quase três décadas no varejo, acompanhando de perto as mudanças de hábitos e de comportamento entre as gerações. Como isso impacta os negócios?

Eu tive a sorte de trabalhar diretamente com o consumidor final desde o começo da minha carreira, na Natura. Então, sempre vivenciei a alta exigência do público na ponta. Desde então, não vejo muitas coisas mudando. Tem é que usar ferramentas e tecnologia para estar ainda mais perto do consumidor e surpreendê-lo positivamente. Também é preciso encarar o erro, a reclamação, não como algo ruim ou negativo, mas como uma oportunidade para fazer o cliente se apaixonar ainda mais pela empresa.

E o que tira o seu sono?

O que me tira o sono é como sustentar o crescimento da empresa e a necessidade de trazer novas pessoas sem que ela perca a sua essência, a sua identidade, a sua cultura de empreendedorismo, de paixão pelos clientes, de todos terem um objetivo comum.

Como você define o modelo de liderança do Fernando Boscolo? Do que você não abre mão e o ocupa a maior parte do seu tempo?

Eu não abro mão de fazer as coisas com paixão e capricho. E é isso o que eu mais exijo das pessoas. Não tem problema falhar, desde que você esteja trabalhando com paixão, comprometimento, capricho. O tempo inteiro também me questiono sobre o que eu posso fazer diferente, o que mais podemos criar. E tentar ter humildade. Quando as coisas estão indo bem, não é porque somos gênios, e, quando as coisas estão indo mal, não é porque somos um desastre. Tem que ter consistência, tranquilidade e seguir uma direção.


O quanto a comunicação e o posicionamento pessoal do CEO são importantes para a estratégia do negócio?

Superimportantes, porque o CEO representa a empresa, a estratégia. Na verdade, os principais papéis do CEO são dar clareza na direção da companhia, naqueles momentos de dúvida e de crise, não perder consistência, e garantir também a preservação da cultura da empresa.

A Privalia tinha planos de fazer um IPO há cerca de três anos. Como ficou esse processo?

Somos uma subsidiária do Grupo Veepee, que, para se concentrar na Europa, por questões estratégicas, está atento a oportunidades de desinvestir no Brasil, onde somos um negócio independente, gerador de caixa, que não requer qualquer tipo de investimento do controlador. Pelo contrário, enviamos dinheiro para o controlador (líder no mercado de varejo digital europeu). Na época dos IPOs (em 2020 e 2021, a bolsa brasileira vivenciou um momento de euforia de ofertas iniciais), com a oportunidade de o controlador realizar esse plano, estruturamos o processo, mas o mercado não apresentava uma condição ideal e resolvemos sair. Agora, vamos entrar outra vez? Não sei. Só se for interessante, mas se não for, como o grupo não precisa, tampouco vamos fazer.


Quais são os próximos planos da Privalia, o que podemos esperar?

Cada vez mais se consolidar como hub digital a serviço das marcas, escalar os novos negócios da Privalia – o Brandsplace, o Ads e o Digital Factory (frente de produção de conteúdo) –, ser reconhecida cada vez mais pelas marcas e um porto seguro delas em tudo o que for digital.


E o quais são as estratégias para alcançar essas metas?

Para sermos consistentes com essa proposta de valor, queremos utilizar cada vez mais tecnologia, como a Inteligência Artificial, que vai transformar as nossas vidas. Já estamos desenvolvendo soluções com IA como customização. Toda pessoa que entrar no nosso site ou aplicativo vai ter uma organização de ofertas completamente diferente e customizada para ela. A gente também vai oferecer mais serviços de informação para as marcas, para que tenham insights sobre comportamento de consumo. Além disso, queremos adotar tecnologias para os serviços do Digital Factory.

Como vocês veem as questões éticas do uso da inteligência artificial?

Temos uma grande preocupação com LGPD e segurança de dados. Por isso, trabalhamos em parceria com empresas estabelecidas e com processos estruturados. Acreditamos que podemos ser muito mais rápidos e mais consistentes no que vamos fazer, se trabalharmos com parceiros especialistas em cada particularidade das frentes de tecnologia.


Quais são as suas referências de liderança?

Eu tenho várias referências de pessoas que eu passei pelo caminho, os fundadores, ex-presidentes e diretores com que trabalhei na Natura. Ao longo do tempo, fui captando coisas e exemplos que admiro. Eu adoro ler biografias, por exemplo. Alguns pontos eu anoto; eu guardo até para fazer citações.

Direto da estante

Leitor de biografias, Fernando Boscolo citou mentes brilhantes, curiosas e geniais que fizeram grandes transformações. Veja, a seguir, alguns títulos disponíveis sobre esses personagens:

Leonardo da Vinci
por Walter Isaacson
Tradução de André Czarnobai
Editora Intrínseca
640 páginas

Einstein, biografia de um gênio imperfeito por David Bodanis Editora Zahar 288 páginas

Einstein, biografia de um gênio imperfeito
por David Bodanis
Editora Zahar
288 páginas

Einstein, sua vida, seu universo
por Walter Isaacson
Tradução Celso Nogueira, Isa Mara Lando, Fernanda Ravagnani, Denise Pessoa
Editora Companhia das Letras
696 páginas

O fascinante império de Steve Jobs
por Michael Moritz
Editora Universo dos Livros
367 páginas

Steve Jobs
por Walter Isaacson
Tradução de Rogério W. Galindo
Editora Intrínseca
624 páginas


E no varejo, quais líderes e marcas inspiram você?

Gosto muito do que o Galló (José, executivo que atuou por 27 anos como CEO e mais os últimos cinco como presidente do conselho de administração da Lojas Renner) e a equipe dele fizeram na Renner. A (tese) do encantamento, a paixão pelo cliente e de colocá-lo no centro. Também admiro a Amazon e gosto muito da consistência da Natura na busca por uma revolução na cadeia produtiva. São muitas as referências. A Best Buy, por exemplo, passou por um processo de quase falência e conseguiu uma forma de revolucionar o negócio. A Apple é um exemplo de empresa que se reinventou. Sempre encontro elementos comuns: paixão no que você está fazendo, consistência, simplicidade.


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