Pedro Parente: Reputação impacta em tudo o que é relevante para a empresa

Gestor de grandes companhias e ex-ministro abre série de entrevistas sobre perspectivas para o Brasil e o papel da reputação para impulsionar as empresas e a economia

Anik Suzuki, Christianne Schmitt e Lucia Ritzel

A gestão de reputação repercute não só no resultado financeiro das empresas, mas no resultado das ações à sociedade, diz Pedro – Fotos: Gladstone Campos / Especial RF

Um dos gestores mais versáteis do país, Pedro Parente maneja como poucos situações de alta complexidade. Seja no setor público ou na iniciativa privada, é reconhecido pela condução bem-sucedida de processos de enfrentamento de crises e de recomposição de culturas organizacionais fragmentadas. Comandou o comitê responsável por administrar a crise energética, em 2001, esteve na linha de frente de três ministérios no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), liderou empresas como Bunge Brasil, Petrobras, Grupo RBS e BRF, é sócio-fundador da eB Capital, gestora de private equity.

Conversar com ele é uma aula sobre cenários. Também é um olhar apurado e prático sobre negócios de alto impacto e o papel da reputação na jornada para alcançar resultados extraordinários.

Nesta entrevista, realizada na sede da eB Capital, um escritório elegante, iluminado e acolhedor, na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, Pedro falou sobre os desafios do Brasil, o clima de incertezas e a necessidade urgente de investimentos para fazer o país voltar a crescer. Comentou sobre o caso Americanas, que vivencia uma crise acesa pela divulgação de inconsistências contábeis em seu balanço, postulou a relevância da gestão de risco e da elaboração de planos de contingência nas organizações para avaliarem impactos que podem afetar a sobrevivência do negócio e reforçou, ainda, que reputação é tema de responsabilidade do board e do comando das empresas.

“Reputação faz parte da cultura. O que é fundamental é que a iniciativa tenha não apenas a aprovação da liderança máxima da empresa, mas que, de fato, seja liderada pelo presidente. Senão, ninguém acredita que é para valer. Se isso não for parte da agenda do líder da instituição, porque merece ser, porque tem de ser pela relevância que tem para empresa, não vai adiantar”, disse.

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:

À luz do cenário econômico e político, quais são os desafios das empresas para 2023 e como a reputação pode contribuir?

Temos uma grande incógnita de natureza macroeconômica e uma de natureza política. O Lula nunca se comprometeu com nenhuma direção para o seu governo. Temos um desafio fiscal pela frente, e há duas grandes maneiras de você resolver: uma é fazer uma gestão fiscal, seja por meio da redução de despesa ou do aumento da receita, via carga tributária, e a outra é com crescimento econômico. Para isso, é fundamental a confiança dos agentes econômicos. E, portanto, o preço a pagar por um ajuste fiscal será maior se não houver confiança. E temos a questão política, que enfrentou uma situação gravíssima. A gente vê sinais muito contraditórios sobre como seguir. Parece que alguém vai jogando sujeira e outro vai limpando atrás, rapidinho.

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Do próprio governo?

Quando digo jogar sujeira, não me refiro a coisas antiéticas, mas poluindo um pouco o ambiente. A turma de trás vem dando declarações dizendo ‘não é bem isso que o presidente está falando’. Obviamente, é um gasto de energia tremendo e gera ou piora a crise de confiança. Esse é um grande desafio, cuja resposta só se vai ter com mais algumas semanas de governo.

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Como esta nebulosidade afeta a tomada de decisão das empresas? Como o mercado está reagindo?

Da maneira que todo mundo reage, não se toma decisão. Você toca a vida, gastando a menor energia possível, tentando manter o seu negócio produzindo resultados positivos, mas sem nenhuma decisão mais ambiciosa. Hoje, dadas as incertezas, é muito difícil tomar decisões ousadas.

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Onde entra reputação nisso tudo? É comum ouvir de C-Levels que reputação é só uma consequência, na linha do ‘como faço tudo certo, terei uma boa reputação’.

Você tem duas dimensões de um fato, a substância e a percepção. O que prevalece é a percepção. Por mais que a substância esteja absolutamente correta na visão desses CEOs, se a percepção do público for diferente, não adianta nada. Reputação é a percepção das pessoas em volta, dos públicos de interesse, sobre o que você faz. A relevância é total. Tem aquela frase, que é chavão, mas verdadeira: seus exemplos falam tão alto que eu não vou escutar o que você diz.

“Reputação não é consequência. Você tem que fazer gestão de reputação. Tem que ter planos de contingência, como se fosse seguro contra incêndio. Porque, se acontece, você precisa atuar imediatamente.”

Diante desse cenário, o que uma empresa precisa olhar se quer preservar ou aproveitar as oportunidades decorrentes de uma reputação forte?

Reputação não é consequência. Você tem que fazer gestão de reputação. Tem que ter planos de contingência, como se fosse seguro contra incêndio. Porque se acontece um incêndio, você tem que atuar imediatamente. E aqui quero dar o exemplo de Americanas (a empresa vive uma crise deflagrada por inconsistências em suas demonstrações financeiras). Em primeiro lugar, quero dizer que conheço muito bem os três (Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, acionistas de referência da Americanas). Não tenho dúvida da integridade dos três. A consequência para eles e para a empresa teria sido diferente se tivessem respondido de imediato. Entre o fato e a resposta deles, que foi muito boa, inatacável, a reputação dos três acionistas sofreu.

“Se você tem risco reputacional, cujo impacto é muito grande, o que está em jogo é a sobrevivência da empresa, mesmo que a probabilidade seja infinitamente baixa.”

A gestão de uma crise é sensível ao tempo. Em relação à tomada de decisão em uma crise, há assuntos que podem esperar? Em qual momento essa decisão deve ser tomada, sob o ponto de vista da preservação de reputação?

Empresas e organizações devem ter um bom sistema de gestão de risco. Uma matriz mapeia todos os riscos, mesmo aqueles que tenham uma probabilidade infinitamente pequena de acontecer. Um dos eixos da matriz é probabilidade e o outro é o impacto que terá, caso venha a acontecer. Você pode ter circunstâncias em que o risco é muito baixo, mas não pode desconsiderá-lo, se o impacto é a sobrevivência da empresa. Se você tem risco reputacional, cujo impacto é muito grande, o que está em jogo é a sobrevivência da empresa, mesmo que a probabilidade seja infinitamente baixa.

Então, a gestão da reputação é tema de board?

Com absoluta certeza. Vou contar uma historinha que exemplifica bem. Quando eu estava secretário executivo do Ministério da Fazenda, negociando a venda do Banerj com o Roberto Setúbal, na época presidente do Banco Itaú, ele queria um fundo de R$ 3 bilhões para contingências. Com correção, hoje o valor seria próximo de R$ 20 bilhões (a venda ocorreu em junho de 1997). Eu perguntei: Roberto, que contingência vai ter esse valor? E ele: ‘pode não ter nenhuma, concordo que a probabilidade é baixa, mas se ocorrer uma contingência com potencial para quebrar o meu banco, não posso desconsiderar’. O que valeu para mim foi essa conversa de probabilidade baixa.

O que uma boa reputação traz de ganho, de ativo para o negócio, que vale investir?

A reputação tem impacto no que é uma das coisas mais relevantes da empresa, o bottom line, o resultado final. Nós estamos falando muito além do resultado financeiro, do lucro líquido, mas também dos resultados da ação da empresa na sociedade, cada vez mais relevante, especialmente para os públicos mais jovens, que serão aqueles que terão maior relevância à medida que o tempo passa.

“Reputação tem uma ligação muito direta com credibilidade. Credibilidade não é um saco sem fundo. Se você eventualmente cometer um erro, poderá sacar da sua credibilidade para mitigá-lo. Mas, se o erro é muito grande ou se seguir cometendo novos erros, essa possibilidade se esgota.”

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Neste sentido, o que você colocaria embaixo deste guarda-chuva de reputação? Quais são os fatores decisivos para o sucesso?

Em primeiro lugar, entender o processo. Porque tem de ser entendido, a exemplo da cultura interna da organização, não como uma consequência, mas como uma ação deliberada da gestão. Em segundo lugar, você tem que trazer o mapa dos riscos que podem afetar a sua reputação. Reputação tem uma ligação muito direta com credibilidade, que não é infinita. Se você eventualmente cometer um erro, poderá sacar da sua credibilidade para mitigá-lo. Mas, se o erro é muito grande ou se seguir cometendo novos erros, essa possibilidade se esgota.

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Há risco de as empresas terem uma visão mais de curto prazo que eventualmente possa prejudicar a reputação a longo prazo ou fazer uma fissura na cultura da empresa?

Não tenho dúvida de concordar. Por isso, é fundamental essa etapa inicial do conhecimento do que é reputação, que impactos pode trazer. Você pode estar tomando decisões que vão gerar um bom resultado no curto prazo, mas poderá estar sacando da sua credibilidade, que não é um saco sem fundo.

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Então, tem de alimentar a reputação a fim de fazer uma poupança de credibilidade para recorrer em momentos de turbulência?

É fundamental integridade, que vai muito além de honestidade. Integridade é Walk the Talk. Ética é mais do que honestidade, integridade é mais do que ética e honestidade. Ter integridade perante seus públicos ajuda muito na reputação e a enfrentar os downturns, os momentos difíceis.

“A correspondência de discurso e prática é fundamental e, para a reputação, é indispensável.”

Você poderia comentar quais foram os turning points do ponto de vista de reputação nas empresas pelas quais você passou? Aquilo que você disse quando chegou lá: isso aqui eu tenho que mexer.

No último evento de mercado que participei pela Petrobras, em Nova York, no dia 15 de maio de 2018, dias antes da greve de caminhoneiros (a paralisação durou 10 dias, bloqueando rodovias e comprometendo o abastecimento de produtos em todo o país), quando eu entendi que tinha de sair, senão a Petrobras seria atingida, um investidor americano me olhou e disse: ‘você é o executivo que mais faz o que você diz’. Por quê? Porque a gente fez um planejamento estratégico para a Petrobras. Eu falei que mexeríamos na política de preço, indiquei as áreas onde faríamos investimentos, disse que não mudaria a diretoria sem entender os fatos. Isso foi um turning point que a gente fez junto com os gerentes executivos. Essa ação com integridade, capacidade de escutar e mudar de ideia e de aliar discurso e prática é fundamental e, para a reputação, é indispensável.

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Em sua trajetória executiva, você conduziu de forma positiva alguns turnarounds necessários e de alta complexidade. Como promover mudanças de cultura em grandes corporações? Isso tem a ver com reputação?

Reputação faz parte da cultura. É fundamental que a iniciativa tenha não apenas a aprovação da liderança máxima da empresa, mas que, de fato, seja liderada pelo presidente. Senão, ninguém acredita que é para valer. Se isso não for parte da agenda do líder da instituição, porque merece ser, porque tem de ser pela relevância para empresa, não vai adiantar.

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Sob a perspectiva de futuro e das questões ESG, assim como da geração que já tem esses conceitos mais apurados, como as empresas devem falar com esses públicos e como devem trabalhar reputação? Como se tornar uma empresa com licença reputacional para operar neste novo ambiente?

Para nós, da eB Capital, é um tema caríssimo. Se não houver sintonia das empresas por uma crença verdadeira nesses novos paradigmas, elas não vão sobreviver. A gente ouve falar de ESG há vários anos. No início, todo mundo sabia que era só para inglês ver. Depois, certas empresas passaram a olhar com atenção. E hoje, exatamente porque as pessoas mais jovens entendem a relevância disso, é uma questão de sobrevivência. E por que isso é relevante: porque esse público é que vai liderar e dar forma ao mundo de amanhã.

Anik Suzuki é CEO da ANK Reputation, Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed e Lucia Ritzel é consultora sr. e head de Conteúdo da ANK Reputation

christianne.schmitt@ankreputation.com.br


Para não perder:

Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração da Magazine Luiza, é a próxima entrevistada da série Perspectivas 2023.


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  1. […] os custos da corrupção até o início do processo de reestruturação da dívida. Com a saída de Pedro Parente, assumiu a presidência da empresa. Este é só um resumo da sua trajetória, que ainda inclui […]