“Não importa se você é presidente do conselho, CEO ou o porteiro que identifica as pessoas para acessar o prédio. Todos percebem, e a reputação é um item de muita relevância, traduz o resultado de uma cultura e respeito ao meio ambiente, às pessoas, à comunidade, a tudo.
Isso se torna algo natural e cultural.”
Haveria uma imensidão de pautas possíveis para conversar com Ivan Monteiro, presidente da Eletrobras, especificamente sobre a companhia de energia elétrica, privatizada em 2022. Desta vez, o Reputation Feed decidiu tratar sobre diversos aspectos da gestão de reputação a partir do conhecimento e da eficiência de Monteiro para resolver equações difíceis.
Com uma consistente jornada, Monteiro fez carreira no Banco do Brasil, onde alcançou o posto de CFO e depois de presidente do Conselho de Supervisão do BB AG (subsidiária na Áustria). Mas foi na Petrobras que seu nome reverberou mais. Na petrolífera, assumiu a cadeira de CFO quando a empresa enfrentava a maior crise financeira e reputacional da sua história, devido ao esquema de corrupção envolvendo diretores, empresários e políticos divulgado pela operação Lava Jato.
Entre os feitos destacáveis no posto, estão desde a publicação do balanço da Petrobras (então, atrasado por meses) estimando os custos da corrupção até o início do processo de reestruturação da dívida. Com a saída de Pedro Parente, assumiu a presidência da empresa. Este é só um resumo da sua trajetória, que ainda inclui passagens pelo Credit Suisse e por conselhos de muitas empresas estatais e privadas.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Você pode pontuar semelhanças e diferenças em relação ao olhar para a reputação de algumas das grandes empresas que você trabalhou, por exemplo, Banco do Brasil, Petrobras e Eletrobras?
Eu não diria que há uma diretriz em relação a trabalhar reputação, mas há características por setores. Eu trabalhei no Credit Suisse, que, apesar de a operação Brasil ser extremamente saudável, passava por uma crise muito grande lá fora. O cliente de um gestor de fortuna, como o Credit Suisse, não quer ver seu banco associado na mídia toda hora a uma má condução de determinada operação, não importa que tenha sido feita na Turquia. A imagem é afetada porque a crise propaga com velocidade exponencial.
“Se a sua empresa não contribui para a melhoria das condições de todos os stakeholders, não terá talentos, pessoas engajadas e, provavelmente, não vai ser competitiva e vai perecer.”
Se alguém filmar um evento no lugar mais distante e longínquo deste planeta, em nanosegundos estará na tela de todo mundo. E isso tem potencial de causar um dano muito grande à empresa. Até que a companhia tenha um tempo de resposta adequado, o mal já está feito, o dano já está causado. No caso de um banco, é bem dramático quando algo de ruim abala a confiança. Em um setor industrial específico, isso também se aplica, mas, do ponto de vista da relação com o cliente que você está gerenciando recursos não é tão dramático, e, sim, na sua relação com a comunidade, na sua cidade, com o seu bairro, com o seu país etc.
Por exemplo, hoje, o dano ao meio ambiente é um conjunto de danos. Se você está reduzindo o efeito estufa e a sua pegada de carbono, isso é muito bem-visto. Caso contrário, não é. Além disso, vamos lembrar que a grande discussão hoje no mundo é uma briga pela atração e retenção de talentos. Se a sua empresa, e essa geração mais nova é muito baseada em propósito, não contribui para a melhoria das condições de todos os stakeholders, e não somente daqueles mais interessados diretamente no resultado da sua empresa, como os acionistas ou os executivos através do sistema de bonificação, não terá talentos, pessoas engajadas e, provavelmente, vai ser intelectualmente pobre e, portanto, não vai ser competitiva e vai perecer. Então, em menor ou maior grau, a reputação acaba aumentando ou dramaticamente diminuindo a competitividade da sua empresa, independentemente do setor em que atua.
Essas grandes empresas que estão fazendo tudo certo, reduzindo pegada de carbono e retendo talentos, por exemplo, estão conseguindo ser percebidas por isso?
Se você pratica e não acredita, não vai ter resultado. Não adianta eu dizer para você que a Eletrobras é uma empresa muito responsável sobre os mais diversos aspectos do ESG ou do ASG, se você ler amanhã na mídia que a gente tratou mal uma comunidade indígena, fez um dano a um rio, destruiu floresta, que os nossos funcionários estão insatisfeitos porque não recebem tratamento digno e adequado, que o nível de acidentes tem aumentado muito.
É preciso transparência. Mas, principalmente, a certeza de que não serve para nada, se não for autêntica. O celular é um instrumento de propagação de notícias boas e de notícias ruins. Rapidamente, os stakeholders iriam perceber que aquela empresa é falsa, não acredita naquilo e se utiliza de uma propaganda enganosa na relação com seus clientes e stakeholders.
O que sustentou a reputação da Petrobras nos momentos mais difíceis da Operação Lava Jato?
Os seus reais, dedicados e competentes funcionários. (O esquema) ocorreu na cúpula da empresa, e vários diretores foram presos e acusados de corrupção. A Lava Jato elevou o compliance para uma condição que não existia no Brasil, à exceção do sistema financeiro, que sempre foi muito acompanhado pelo Banco Central do Brasil, um regulador rigoroso, de classe mundial.
O esquema de fornecimento artificial e formação de cartel da Petrobras mostrou que o dado de compliance é tão relevante para banco quanto deveria ser para uma empresa com o porte da Petrobras. Então, o que fez com que a Petrobras sobrevivesse àquele tsunami foi a força dos seus funcionários, do amor que eles têm à companhia, e a qualidade da Petrobras, que é referência mundial na exploração de petróleo e gás nas águas ultraprofundas.
Como líder, quais foram os aprendizados, em especial, sob o aspecto reputacional, depois do trabalho atribuído a você para a recuperação das finanças da Petrobras?
Eu e muitas pessoas, sendo que os funcionários tiveram a maior participação na recuperação. Evidentemente, ter o privilégio de ter o Pedro Parente (presidente da Petrobras por dois anos, de 1.6.2016 a 1.6.2018) como líder é para poucas empresas. Ele estava lá no momento mais agudo, com aquela credibilidade tão absurda que tinha a capacidade de agregação e de motivação para sustentar a empresa na pior crise de sua história, financeira e reputacional.
Os funcionários da Petrobras não podiam ir à batizados, casamentos, a uma festa de bairro, porque, se fossem reconhecidos como funcionários, eram taxados de corruptos. Eu cheguei em fevereiro de 2015, com a casa pegando fogo. Quando ele chegou, não havia mais incêndio, mas estava tudo destruído. Então, ele liderou a companhia na reconstrução em outras bases, com fatores de proteção de governança, e, em tempo recorde.
OK, mas você continuou lá e com a reputação positiva também.
Graças a Deus, sim, eu tive a satisfação de sucedê-lo, mas eu fiquei um período pequeno a partir da saída dele. Mas, de qualquer maneira, o elemento mais relevante é que Pedro criou as bases.
“Quando você é convidado para uma função como essa, primeiro tem que que olhar para si próprio e perguntar: estou à altura deste desafio? O que é estar à altura deste desafio? Você tem a compreensão de que aquelas decisões que você vai tomar almejam a perpetuidade, que a empresa fique bem nos próximos 30-40 anos? Se você não compreender isso, não assuma, não vá trabalhar nesta empresa, senão dará errado.”
O que mudou em relação ao seu papel na gestão de reputação da companhia quando você passou de presidente de Conselho a CEO da Eletrobras?
A reputação não está vinculada a um CPF, está vinculada a todos os funcionários da companhia, sem exceção. Não importa o nível hierárquico, o cargo que a pessoa ocupa, ela merece o mesmo respeito que qualquer outra pessoa. Então, se você, como liderança, tem esse comportamento que é percebido como o que estimula, a contribuição coletiva forma a reputação da empresa.
A mudança da cultura não deve vir de cima?
A construção de uma cultura que enaltece valores, virtudes e qualidades razoáveis e desejáveis em qualquer ser humano ou estrutura corporativa é uma obrigação de todos.
Um dos maiores desafios de uma empresa recém-privatizada, como a Eletrobras, é a definição de uma nova cultura organizacional. Como está se devolvendo na empresa?
O desafio é imenso. Temos uma história de 60-70 anos, de uma empresa estatal que, através de um processo extremamente transparente, com a lei aprovada pelo Congresso, tornou-se privada e corporation (sem controle definido). O processo de mudança foi iniciado, mas não se troca a cultura de uma empresa em meia hora nem em seis meses. Muito dessa mudança vem da relação empregado e empregador, porque a cultura correta é aquela que propicia o encontro de pessoas talentosas e motivadas, que sabem trabalhar em equipe e enxergam um propósito nessa união.
“Nós não somos gestores do private equity. Aqui, as decisões são tomadas para os próximos 20-30 anos. Com base nisso, é possível gerar uma relação de confiança muito grande com os clientes. Lembrando que nossos clientes eram grandes distribuidoras e, agora, são clientes finais.”
Uma cultura que não privilegie isso, não vai atrair talentos profissionais, vai atrair comportamento de competição. A liderança tem de compreender que, numa empresa como a Eletrobras, se constrói uma linha de transmissão para 40-50 anos; uma hidrelétrica, para 40-50 anos, às vezes para o resto da vida, e que os equipamentos são trocados, mas a estrutura permanece.
“Quer me ver feliz, é servir alguém. Eu adoro cliente. Aí tem toda uma discussão: como se comunicar com o cliente, como fazer com que a empresa se volte para ele, como construir a relação de fora para dentro e não de dentro para fora. O objetivo final é o cliente; atendendo bem, com qualidade, gerando confiabilidade e não deixando que falte luz.”
Episódios de falta de luz são um bom exemplo para tratarmos sobre gestão de crise, na qual o timing é muito importante. Como fazer para não deixar o problema crescer?
Primeiro, sabendo imediatamente quais são os canais que devem ser acionados. Temos uma vice-presidência de operações e, toda vez que ocorre um evento com interrupção do fornecimento, tem todo um procedimento de interação com o operador nacional do sistema. Além disso, imediatamente, quase que está no DNA das pessoas, eu sou acionado e a equipe da comunicação também. A gente passa a, imediatamente, não só a prover informações para mídia, mas internamente nos mobilizamos para ter a resposta mais adequada possível.
Temos o projeto Atmos de previsão de condições meteorológicas adversas para verificar como afetam nossos ativos e que permite a preparação antecipada. Com antecedência de dois ou três dias, são gerados boletins sobre a possibilidade desses acontecimentos, o que gera mobilização nas equipes operacionais, de estoque de equipamentos e de pessoal.
Em paralelo, há todo um trabalho de comunicação e de interação com os reguladores. O Rio Grande do Sul foi um exemplo. A gente atuou muito forte para que o próprio evento em si, a chuva, não fosse agravado com a falta de luz e outras consequências já dramáticas.
“Se ocorrer um evento, um problema como o apagão no Acre e em Rondônia, imediatamente liga toda a tensão na companhia. Se nós errarmos a operação, seja de uma linha de transmissão ou de uma subestação, por exemplo, falta luz na sua casa em 2s. Se faltar luz, a carne e os derivados de leite na geladeira vão estragar, pessoas idosas não poderão usar elevador, alguns hospitais sem gerador terão problema. É um conjunto que sofrerá um prejuízo enorme por uma falha nossa. Então, brincamos aqui que você pode fazer o quiser, menos com a segurança.”
A Eletrobras integra um dos setores que têm papel relevante em relação aos desafios das mudanças climáticas e à transição energética. Quais são os planos da companhia para ser protagonista nesse processo?
Dos ativos de geração da Eletrobras, 97% são estritamente renováveis e estamos indo para cerca de 99%. Essa é a nossa maior contribuição neste momento. Também contribuímos para a descarbonização dos processos industriais dos nossos clientes, buscando soluções para diminuir a pegada de carbono deles.
Há ainda uma terceira vertente que é a atração de investimentos com o fornecimento de energia para a produção, por exemplo, de hidrogênio verde.
. A Eletrobras assumiu, em 2023, o compromisso com a Science Based Targets Initiative de ser Net Zero até 2030, reduzindo no mínimo 90% de emissões totais, em relação a 2023, e compensando, no máximo, 10% de emissões residuais.
. A estratégia está baseada, principalmente, no desinvestimento em geração termelétrica, aumento de geração renovável e gestão das emissões que não forem passíveis de redução com o uso de certificados de energia renovável próprios e créditos de carbono provenientes de ações de reflorestamento.
. Em 2024, a empresa se desfez de suas termelétricas. Em janeiro, concluiu com a CGT Eletrosul, a alienação do complexo de Candiota (RS), a carvão. E, recentemente, em junho, junto com as subsidiárias Eletronorte e Furnas, o portfólio a gás natural.
. A capacidade instalada total da Eletrobras é de 44.304 MW, o que representa 22% do total no Brasil.
Fonte: Eletrobras
Quais são os principais atributos que contribuíram para você construir a sua jornada de executivo que assumiu altos postos em algumas das mais importantes empresas do país?
Meu pai me ensinou que, se eu estudasse bastante e trabalhasse bastante, talvez desse certo, mas, se eu não fizesse nada disso, o meu futuro seria nenhum. Eu aplico isso até hoje. Eu estudo bastante, trabalho bastante, mais nada.
O que você diria para um jovem executivo seguir em sua jornada de construção de reputação?
Que ele atue como ser humano. Que ele não delegue para tela, para o WhatsApp e para o Zoom aquilo que é uma característica do ser humano, interagir com as pessoas.
Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
Christianne.schmitt@ankreputation.com.br