John Elkington: líder corporativo tem papel político a desempenhar pelas agendas de sustentabilidade e de ESG

Em entrevista ao Reputation Feed, criador do tripé da sustentabilidade sugere medidas para enfrentar impacto das mudanças climáticas nos negócios e no mundo

Christianne Schmitt

Pioneiro da sustentabilidade empresarial, britânico John Elkington afirma que agenda ESG impulsiona mudanças estruturais nas organizações – Foto: Divulgação South Summit Brazil / RF

Considerado o pai da sustentabilidade corporativa, John Elkington criou, há 30 anos, o conceito do Triple Botton Line, propondo soluções integradas que podem provocar resultados positivos em três dimensões: econômica, social e ambiental. Era a origem do ESG, cujas práticas também contribuem para a construção da jornada de reputação das empresas. Desde então, problemas como aquecimento global, mudanças climáticas, disseminação de fake news e desinformação, polarização e ataques cibernéticos aumentaram os desafios e exigem ações urgentes e inovadoras das empresas, dos governos e da sociedade.

O Reputation Feed conversou com Elkington quando ele esteve em Porto Alegre, na terceira semana de março, para participar do South Summit Brazil. Autor e coautor de 20 livros, o fundador e líder da consultoria Volans consegue tratar dos temas que representam os maiores riscos globais da atualidade e do futuro próximo com gentileza, bom humor e consistência. Confira, a seguir, os principais tópicos.

“É verdade que muitas empresas entendem que agenda ESG pode ter um impacto bom ou ruim na reputação. E, pelo menos inicialmente, tentam lidar com isso a partir das relações governamentais e das relações públicas. Mas, se é aí que elas param, eu acho que é um completo e total erro. Antes, costumava ser sobre questões como o perfil da sua empresa, a forma como os stakeholders viam você e se os clientes eram leais. No entanto, estamos vendo que, cada vez mais, as agendas ESG e de sustentabilidade estão impulsionando mudanças estruturais nas empresas.”

  1. “Eu trabalhei com a Ford por 20 anos e lembro do Bill Ford (presidente da companhia e bisneto do fundador Henry Ford) me dizer: ‘a Ford nunca vai se dividir em duas empresas’. A Ford acabou de se dividir em duas, porque precisa ter uma empresa para continuar o seu legado, com veículos com motor de combustão, e outra para trabalhar com o mercado de elétricos. Considere que o presidente Joe Biden anunciou que quer que metade dos novos carros vendidos nos Estados Unidos sejam elétricos até 2032.”
  2. ”O Japão, por exemplo, tem a Nissan e a Honda, que se odeiam, mas estão unidas em um front para trabalhar no mercado de veículos elétricos para responder ao desafio chinês.”
  3. Na Europa, a Solvay, empresa química, também se dividiu em duas. A empresa que faz baterias para veículos elétricos e trabalha na eficiência do combustível e todas essas coisas boas está significativamente melhor do que o antigo modelo de negócios.”


“Eu acredito que a prioridade de qualquer negócio é ser honesto, aberto, transparente, ser capaz de se responsabilizar, e, se cometer algum tipo de erro, admitir rapidamente ao invés de ficar tentando encobrir. É deixar bem claro para os stakeholders o que a empresa pretende fazer e atingir ao longo do tempo, além de fazer reportes frequentes sobre o que faz. Se tem progresso, explicar por quê. Parte do problema é que não há pressão suficiente de regulação.”

“É possível que a gente possa solucionar o problema (das mudanças climáticas). Mas veja que todas as civilizações que estiveram antes de nós colapsaram. É bem possível que estejamos indo na mesma direção, como na ficção científica, e ter cada vez mais resultados desastrosos. Indivíduos podem fazer várias coisas para sinalizar que estão irritados, e, vemos, com bastante frequência, jovens saindo às ruas, protestando contra as mudanças climáticas. E eu acho que é bastante frustrante, porque eles não estão vendo ainda as ações necessárias (para enfrentar a questão). Mas eu os encorajo a continuarem, porque nós temos que seguir experimentando e inovando.”

“Os problemas que estamos enfrentando agora são sistêmicos. Consumidores, investidores e eleitores não conseguem mudar tudo individualmente. Então, eles têm que fazer o que podem. Quando as pessoas aparecem com ideias e inovações que podem realmente mudar as coisas, de maneira sistêmica, temos que apoiá-las. Você vê, por exemplo, prefeitos sendo muito ativos nesses aspectos, porque eles não têm os mesmos problemas que políticos nacionais têm. Eles têm uma área muito mais delimitada para focarem. Então, eu sou otimista, mas nós ainda podemos entrar em colapso.”

“O (papel) mais óbvio das empresas tem a ver com o desenvolvimento da próxima geração de tecnologias, estejam elas relacionadas a energia solar, eólica, tecnologia de armazenamento de baterias e redes elétricas. As redes são importantes porque precisam vir junto com isso tudo e com os modelos de negócios que surgirão, ajudar a tornar essas tecnologias em negócios rentáveis e levá-las ao máximo de pessoas possível.”

“Eu acredito também em um papel cada vez mais importante para os líderes empresariais desempenharem na política, porque a maioria dos políticos acredita que a desregulamentação está no lado dos negócios. Mas há um grupo diferente de líderes empresariais conscientes de que regulamentações introduzidas e desenvolvidas da maneira correta, podem, na verdade, criar mercados nos quais eles conseguem atuar e, assim, todos ficarão em melhor situação. Portanto, não é apenas sobre novas tecnologias, não é só sobre modelos de negócio, é cada vez mais sobre ter um papel politicamente ativo. Um exemplo que costumo dar é o da Microsoft, que começou a olhar para todos os membros de federações de indústrias para verificar se não estavam argumentando contra o posicionamento da empresa em temas como o do clima.”

“Não é apenas sobre novas tecnologias, não é sobre modelos de negócio, é cada vez mais sobre ter um papel politicamente ativo.”


“Tem muito o que as empresas podem fazer para combater as mudanças climáticas, como serem honestas e justas. Em publicidade, por exemplo, muitas ainda apresentam informações que não são corretas (o que pode representar greenwashing, ou seja, a tentativa de passar uma imagem inverídica de práticas sustentáveis). Em várias regiões, reguladores estão se debruçando sobre isso. Acho que a KLM Airlines, por exemplo, vai ser pesadamente multada em Nova Iorque por ter feito falsas afirmações (sobre medidas para reduzir o impacto ambiental em seus voos).”


O caso da KLM Airlines

Neste mês de março, o Tribunal Distrital de Amsterdã considerou que a KLM Airlines enganou os consumidores com anúncios “vagos e gerais” sobre os seus esforços para reduzir o impacto ambiental dos voos, agindo ilegalmente ao afirmar que os clientes poderiam “voar de forma sustentável”.

Conforme a decisão, a companhia aérea holandesa “pintou um quadro excessivamente otimista” do impacto de medidas como o uso do chamado combustível sustentável, que é feito a partir de matérias-primas renováveis, e o reflorestamento.

Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed

Christianne.schmitt@ankreputation.com.br


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