Daniel Randon: confiança na inovação, nas práticas ESG e nas pessoas para manter reputação e crescer

Presidente da Randoncop lidera nichos estratégicos do grupo que fatura mais de R$ 11 bi por ano

Christianne Schmitt

Filho mais novo do fundador de uma das principais empresas de soluções de transportes do país, Daniel se preparou para assumir papel de gestor que vislumbra o futuro baseado na inovação, no ESG e nas pessoas – Fotos: Júlio Cordeiro / Especial RF

Em sua avaliação, qual é a importância de uma gestão intencional de reputação para as organizações? Por quê?

Reputação é walk the talk, ou seja, não adianta dizer que faz isso ou aquilo e não demonstrar ou, em outro caso, dizer que não faz algo e acabar fazendo. As organizações não quebram mais somente por problemas no caixa, também podem quebrar se a reputação for atingida.

“Engajamento se conquista quando as pessoas entendem os valores e os princípios da organização e quando elas têm clareza de onde a empresa quer chegar.”

Neste sentido, quais iniciativas têm sido implementadas e quais são os resultados, de modo geral, até o momento?

O nosso grande desafio é manter os valores, os princípios e o legado dessa história de 75 anos da empresa, criada pelo meu pai e o meu tio. Em 2016, por exemplo, vivíamos um momento macroeconômico difícil, em que o mercado estava cerca de 1/3 menor, e percebemos que precisávamos ter as nossas empresas mais engajadas para superar a crise. O que nós fizemos? Aproveitamos o momento para reforçar os nossos valores, pois engajamento se conquista quando as pessoas entendem os valores e os princípios da organização e quando elas têm clareza de onde a empresa quer chegar. Nós também mostramos que tínhamos aquela trilha de caminhada. Além disso, em 2018, desenvolvemos o nosso propósito que é “Conectar pessoas e riquezas, gerando prosperidade”. Ou seja, o propósito vai muito além das soluções para o transporte, nosso core, ampliando um leque de oportunidades de negócio e de engajamento dos nossos colaboradores, que eu chamo de protagonistas.

Quais oportunidades se abriram a partir deste posicionamento?

A Ambição ESG é uma delas. O plano, lançado em 2021, estabelece pontos que desafiam as nossas lideranças a buscar, por exemplo, a redução de 40% dos gases de efeito estufa. Também propusemos zerar a disposição de produtos em aterro, além de, até 2025, passar a contar com a reutilização integral de 100% da água reciclada. A definição de dobrar o número de lideranças femininas até 2025 também faz parte dessa ambição. São projetos que engajam as pessoas para trabalhar. Isso não quer dizer que começamos o ESG há pouco.

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Qual deve ser o maior valor para uma empresa?
As pessoas.

Um ídolo, um modelo:
O meu pai. Às vezes, a gente fala de um ídolo que a gente só conhece por livros, e não há nada como conhecer o ídolo dentro da própria casa. Eu sempre me inspirei nele. Ele era um empreendedor. Ele deixou um legado e valores que estão aqui: o respeito às pessoas e à sociedade, a ajuda ao próximo, fazer bem as coisas, com qualidade e com simplicidade. Esse era o meu pai.

Livro que recomenda:
O que estou lendo atualmente. É o 2041: como a Inteligência Artificial vai mudar a sua vida nas próximas décadas, de Kai-Fu Lee e Chen Qiufan.

Nós iniciamos o ESG por meio da governança, na década de 1970, quando abrimos o capital. E meu pai sempre se preocupou com a parte social. É uma evolução constante, mas o propósito da organização ajuda a reforçar essas ambições e a ampliar o leque de atividades de nossa atuação.

Quando você fala em ampliar o leque de atividades, você quer dizer novas áreas de atuação?

Nós começamos a trabalhar com novas tecnologias de nanonióbio para utilização em tintas e outros produtos e, nessa oportunidade, buscamos um creme para proteger o soldador dos raios da solda, que, eventualmente, podem ser nocivos se forem emitidos em grandes quantidades e por muito tempo. Desse desafio, criamos um cosmético e começamos a trabalhar com uma startup com esse objetivo. Não quer dizer que a Randoncorp vai ficar produzindo cosmético, mas ela viu uma oportunidade e uma necessidade que estariam atendendo ao nosso propósito. Quando falamos em redução em 40% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, isso significa planejamento e trabalho que as lideranças e os colaboradores estão fazendo para buscar essa meta. E tem ajudado. A Frasle, por exemplo, está investindo numa caldeira de biomassa, que, individualmente, já contribuirá para atingir a meta antes de 2030. Nesse caso, é uma empresa, mas estamos voltados para toda a corporação. Isso também comprova que, no momento que você sai do dia a dia e apresenta desafios, as pessoas vão buscar. Eu tenho estado em Davos nos últimos anos e testemunho a preocupação em relação ao compromisso de uma economia global zero carbono até 2050. Há uma avaliação de que será difícil cumprir a meta. Mas eu sou otimista. Acredito que as tecnologias disruptivas que estão surgindo e a adoção de políticas em muitos países vão contribuir (para o atingimento da meta).

“A sociedade, as pessoas, os stakeholders, veem que a Randoncorp trabalha com a preocupação social.”

Quais são os resultados do grupo em relação a essas ações até agora?

No momento que você vai a público e define a sua ambição ESG, ela vale mais do que qualquer bônus ou outra meta, porque se trata de reputação. Nós estamos colocando a nossa reputação e a das nossas lideranças, inclusive a minha, na frente. Nós somos uma equipe grande, que trabalha no dia a dia, monitora e mede. A ideia é aumentar o portfólio de pegada de carbono. Nós desenvolvemos uma sapata ferroviária para um cliente em que conseguimos reduzir em cerca de 43% a emissão de carbono em relação ao modelo atual. Nós vamos fazer isso não só com produtos, mas com fornecedores também. No grupo de Automotive e New Mobility, um grupo de CEOs e presidentes de montadoras globais do qual eu participo, nós discutimos a necessidade de garantir que o processo de produção de carros e caminhões elétricos seja todo sustentável, desde a extração do lítio ou outros componentes que vão na bateria ao descarte até a reciclagem. As leis já definem isso, e, há muito tempo, eu já falo que quem produz é responsável pelo descarte final. De 2006 a 2014, eu estive na operação da Frasle e lá já vendíamos para alguns clientes de uma região, depois coletávamos e fazíamos o descarte final. Ou seja, com zero impacto para o meio ambiente. Ao reduzir o descarte, além de resolver o problema do cliente, você tem um cliente mais fidelizado. Vários clientes já buscam o nosso eixo auxiliar elétrico, lançado. Uns querem porque prestam serviço para clientes que já demandam a redução do impacto das emissões de CO2, outros, porque já têm um caminhão elétrico e precisam de uma autonomia maior, e há aqueles que querem testar.

Quais são as prioridades da empresa em gestão de reputação?

Em 2016, fizemos um diagnóstico para verificar como estávamos sendo vistos e o que precisávamos melhorar. Um desses pontos era tornar essa empresa ainda mais inovadora, mas no sentido de ser mais ágil, mais horizontalizada e promovendo o intraempreendorismo nas organizações. Isso reforçou a ideia de que, olhar para a nossa reputação, depende, antes de tudo, de continuar sendo uma empresa inovadora, que traz projetos sustentáveis e promove um ambiente de trabalho cada vez melhor, no qual as pessoas se sentem bem, que cresce e segue apoiando projetos sociais e a melhoria da governança. Simplificando, nossos pontos de apoio são, principalmente, o ESG e os protagonistas da Randoncorp.

Como a Randoncorp consegue conciliar o crescimento com a atenção ao seu entorno e às comunidades em que atua?

A sociedade, as pessoas, os stakeholders, veem que a Randoncorp trabalha com a preocupação social. O meu pai sempre teve essa visão. Inclusive, ele tinha a ideia de que governo deve fazer o seu papel, mas, também, que é responsabilidade dos empresários contribuir para a sociedade. Além disso, acreditava que investir em jovens e crianças é o futuro do país. Até 20 anos atrás, essa crença não era institucionalizada de uma forma organizada, ganhando mais estruturação a partir do Instituto Elizabetha Randon, voltado a vários projetos sociais, mas, principalmente os relacionados à educação do jovem e à educação do trânsito. Muitas ações nasceram disso, entre as quais o Florescer, um projeto específico para crianças, bem como outros destinados à promoção da segurança no trânsito, da saúde e do esporte. Nos últimos anos, a gente começou a fazer o monitoramento das principais demandas dos locais onde estamos. Muitas vezes, isso significa sentar-se com os vizinhos da comunidade, apurar e atender suas demandas em relação ao nosso impacto.

É comum empresários de grandes empresas estabelecerem residência nos principais centros econômicos do país ou até do Exterior. Com a família Randon, não é assim. A decisão de toda a família seguir morando em Caxias do Sul tem a ver com ficar mais perto da sede da empresa?

Eu brinco com os nossos parceiros do Instituto Hélice (iniciativa de um grupo de organizações para o desenvolvimento de um ecossistema de inovação na Serra gaúcha) que, se tem o Vale do Silício, nós temos o Vale do Galeto e da Polenta! Mas, agora, sem brincadeiras. Nós temos uma ótima qualidade de vida, a região é tranquila, tem segurança e trânsito mais calmo. Essa é avaliação de muitos executivos que viviam em São Paulo ou outras grandes cidades que trouxemos para cá. Nós incentivamos os nossos filhos a estudarem fora do país, mas não podemos esquecer onde nascemos e continuamos com a visão de que aqui continua sendo a nossa casa, o lugar para o qual sempre estaremos voltando.

“Não é preciso entrar numa organização empresarial para ser líder.”

Você mesmo morou por um período fora do país, em Chicago, e depois voltou. Foi uma forma de desenvolver a liderança?

Muito antes disso, com 16 anos, eu achava que estava muito jovem para entrar na universidade e decidi estudar na Inglaterra e na Itália, um ano antes de terminar o último ano da escola, para amadurecer, conhecer diferentes culturas. Quando eu voltei, participei de grupo de jovens e fui presidente da Cruz Vermelha, de Caxias do Sul, aos 20 e poucos anos. Sempre me envolvi muito com essas atividades, parte para ajudar, parte como uma oportunidade para aprender a ser líder. Não é preciso esperar entrar numa organização empresarial para ser líder. Durante o curso de engenharia, fiz estágios na Master e na Gerdau. Após a graduação, atuei na área financeira da Randoncorp até assumir a unidade de negócios de São Paulo, na qual realizei um turnaround antes ir para Chicago para fazer o MBA com o propósito de me aprimorar.

Foi uma decisão muito apoiada pelo meu pai, pelos meus irmãos, até para, na volta dos Estados Unidos, poder ajudar na governança e na liderança da Randoncorp. Foi um desafio muito bom. Hoje, nós temos universidades no Brasil que são exemplos fantásticos. As únicas diferenças de morar fora, talvez, sejam a cultura, aprender uma língua e fazer networking um pouquinho diferente. Quando retornei, primeiro atuei na área financeira da Frasle, até assumir a superintendência e o cargo de CEO na empresa.

Como deve ser o posicionamento do líder?

Parto do pressuposto que o líder deve sempre se posicionar no sentido de inspirar as pessoas e em linha com aquilo que eu já mencionei: dizer e fazer, ou seja, cumprir com os prometidos dentro de seus valores e princípios.

Quais são as principais características da resiliência da Randoncorp?

Primeiro, temos como valores confiar e acreditar nas pessoas. Sempre investimos muito nos nossos profissionais. Além disso, acreditamos em um ambiente no qual a pessoa se sente bem, com oportunidades de crescimento. Em segundo lugar, sempre fomos muito focados no cliente. Terceiro, é uma empresa que sempre buscou a inovação. Então, são esses três pontos e, mais, nós sempre buscamos a qualidade. Tem que ter qualidade, inovar, ser persistente. A qualidade sempre foi um pilar muito forte em tudo o que a Randocorp e a família faz, o que o meu pai fez, e continuamos fazendo hoje, que é queijo, vinho, azeite e outras coisas mais (se referindo à RAR, empresa agrícola da família).

“É bom ainda ter o olhar do dono, olhando a longo prazo, mas é importante contar com executivos que agreguem valor de crescimento de receita, de oportunidades de negócios.”

Na prática, o que significa focar no cliente?

Primeiramente, relacionamento. Também é muito importante entender o que o cliente quer. Nós ficamos perto do cliente, em feiras, visitas e com as portas abertas. Quando fizemos a sucessão, em que eu assumi a presidência executiva e o David, a presidência do conselho, eu pedi a ajuda dele para que continuasse trabalhando com os clientes. É o papel que o meu pai fazia, porque, para o cliente, é importante saber quem é o proprietário, o sócio ou os filhos dos fundadores da Randon que faz a carreta. Para nós, é um orgulho. Para o cliente, é importante ter o contato. Vários clientes ligam para o David ou para mim, quando têm alguma dificuldade ou querem um produto novo. Talvez isso seja resultado desse nosso modelo de ter simplicidade e de estarmos sempre abertos. Tecnologicamente, os produtos estão chegando muito perto. A diferença continua sendo, na minha opinião, o relacionamento. A importância do relacionamento nunca vai diminuir, ao contrário, vai só aumentar.

Esse jeito Randon de ser da empresa vem da família?

A empresa é grande, mas não é corporação. A minha mãe, eu e meus irmãos fazemos questão de a família estar perto. Em homenagens como as de tempo de empresa, 25, 35, 40 anos, estamos presentes. Isso é valorizar as pessoas. Nosso oitavo princípio “Somos todos Randoncorp”, que antes era “Randon somos todos nós”, mostra o detalhe do nosso jeitão. É uma empresa que está se profissionalizando cada vez mais, pois é melhor uma governança profissional, mas a família, em eventos importantes, continua junto.

A gestão profissional tem impacto na reputação da empresa?

Sem dúvida, são 16 mil protagonistas, 16 mil famílias envolvidas. Eu falo muito no conselho de família da necessidade de termos as melhores pessoas na empresa para que, primeiro, preservem os empregos das pessoas e, segundo, continuem crescendo e trazendo novas oportunidades de negócios. Hoje, não competimos mais somente dentro do país. Nós estamos competindo com produtos estrangeiros, com o mundo. Então, temos que buscar os melhores profissionais para continuar o legado, a história da empresa. É aquela coisa: é bom ainda ter o olhar do dono, olhando a longo prazo, mas é importante contar com executivos que agreguem valor de crescimento de receita, de oportunidades de negócios. Essas pessoas, podem ser tanto de dentro como de fora, são profissionais que contribuem com novo olhar e conhecimento mais abrangente de outros países e outras culturas.

“Há um jeito Randon, mas é um jeito que cada vez mais se adequa aos momentos atuais.”

A Randoncorp é uma multinacional brasileira com presença em 120 países. Como levar a reputação da organização para mercados tão diferentes?

Na pandemia, vimos como a liderança pode ter conversas diretas de forma online. Além disso, no caso de uma unidade no Exterior, por exemplo, grupos daqui são enviados para o local para apresentarem os princípios, os valores e o papel de cada organização e, também, para aprenderem, pois respeitamos a cultura local. A diversidade enriquece, porque há um jeito Randon, mas é um jeito que cada vez mais se adequa aos momentos atuais. Isso vai manter os valores e princípios.

Considerando o cenário global e, em especial do Brasil, quais são as suas expectativas para 2024? Quais são os principais desafios e oportunidades que se apresentam?

O mundo ainda vive uma situação complexa em relação ao cenário geopolítico, e a expectativa é de retração na economia global. No entanto, o fato de o Brasil ter antecipado o ciclo de queda dos juros, contribuindo para segurar a inflação, abre também oportunidades de investimentos no país. O equilíbrio fiscal e a continuidade das reformas, como a tributária e a sua rápida implementação, são fundamentais para pavimentar esse ambiente mais promissor para os negócios. Além disso, o Brasil tem muitos recursos para avançar nas questões de impacto global e precisa agir concretamente nessa direção. Em áreas como o meio ambiente, por exemplo, tem como diferencial uma matriz energética de fonte renovável importante e competitiva. Não trato aqui das questões, ainda controversas, em torno da tecnologia e da inteligência artificial, por exemplo, que trazem riscos, mas muitas oportunidades e virão com novidades ao longo do ano. Nem das eleições municipais, que impõem alguma imprevisibilidade ao cenário. Considerando tudo isso, eu acredito que teremos um bom ano de 2024, mas ainda desafiador.

Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
Christianne.schmitt@ankreputation.com.br


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