Líder transformador conecta empresas tradicionais ao novo mundo

Transição de um modelo para outro exige autoconsciência, novos comportamentos, competências e estratégias de como aplicá-las, diz autor de livro sobre as mudanças

Clóvis Malta

Ely lança livro baseado nas próprias experiências como líder diante das transformações – Foto: Divulgação / Reputation Feed

Depois de quase três décadas de trabalho no meio corporativo, Daniel Martin Ely sentiu necessidade de ressignificar uma série de práticas no seu cotidiano. No plano profissional, as transformações na Randoncorp, da qual é vice-presidente executivo, além de COO da Rands, e, no pessoal, o diagnóstico de autismo da filha Sophia o levaram a se reinventar como líder.

Durante a pandemia, Daniel Ely decidiu transformar em livro esse processo que já compartilha há algum tempo em palestras e em suas concorridas redes online. O resultado é O Líder em Transformação: os Aprendizados Frente aos Novos Desafios da Economia Digital, editado pela Alta Books e já em pré-venda, com lançamento marcado para 30 de setembro. Reputation Feed entrevistou o autor, e o resumo da conversa pode ser acompanhado a partir das três questões a seguir.

Quais são as características de um líder transformador e o que ele pode agregar para uma imagem pública positiva e duradoura da empresa?

Os traços da liderança transformadora incluem três pilares:

O primeiro é uma grande capacidade de autoconsciência, uma avaliação de quais são os novos comportamentos necessários, o que é preciso abandonar e o que é preciso adicionar ao portfólio atual. Quanto mais alto você está na escala das organizações, mais difícil é fazer essa reflexão, pois há muito medo de se perder coisas e adicionar outras que não têm o mesmo histórico e relevância do passado.

O segundo ponto é que competências precisam ser adicionadas. A questão é: como transformar esses novos comportamentos em competências diferentes? Saímos de um modelo de comando e controle dentro das organizações para um modelo em que se busca nas lideranças uma maior influência, mais inspiração de pessoas e movimentos. Não aprendemos isso na escola tradicional, nos cursos de graduação, de pós-graduação, nos MBAs. Fomos mais preparados para ser bons gestores de processos, de pessoas, de recursos, mas não para orquestrar tudo isso, com ações mais disruptivas. Hoje, temos também que conectar as pessoas em relação a um único propósito, criar narrativas. Isso tem a ver com marca e reputação, com engajamento, com a construção dessa história, cada um se sentindo parte dela.

O terceiro ponto também exigiu uma mudança, uma ampliação do portfólio de estratégias de como usar essas competências. Por exemplo, falamos muito hoje em ambidestria organizacional. Mas as organizações ainda são mais tradicionais e temos que conectá-las a esse novo contexto, com novas oportunidades. Como é que você senta nas duas cadeiras? É uma estratégia nova que precisa ser adicionada no portfólio.

Quando olho para esse tripé, que chamo de jornada do líder em transformação, com autoconsciência, com novos comportamentos, novas competências e novas estratégias de como aplicá-las, vejo as dores que eu senti. O livro nasce um pouco disso, parte do mundo real, em que a gente identifica o que está acontecendo, as dificuldades que eu tive e, depois, explica as ações que foram tomadas.

Como os líderes podem engajar seus times para avanços na cultura de inovação na empresa e nas novas tecnologias?

A primeira necessidade é instaurar dentro das organizações mais tradicionais um processo de ressignificação em vários pontos. Em primeiro lugar, está o próprio papel da liderança. Como é que eu deixo de ser menos gestor e passo a ser um líder, efetivamente? Qual a diferença entre um gestor e um líder? Um bom gestor está contido dentro da liderança, mas um bom líder precisa adicionar outras competências e estratégias. Antes, bastava ser um bom gestor para conseguir dar conta e respostas que a organização estava precisando em termos de crescimento, de resultados. Hoje, como não há uma resposta única, é preciso compô-la com diferentes cabeças e ideias. Preciso me somar a outras pessoas, criar grupos e equipes que vão resolver isso em conjunto. Esse ressignificar a liderança, na verdade, é resgatar o que sempre foi a essência da liderança, que é potencializar a melhor competência da equipe.

Também é importante ressignificar a inovação em toda a organização. Se olharmos para muitas organizações mais tradicionais, a inovação tem nome, sobrenome, área ou departamento. O que tem de diferente é a forma como fazemos essa inovação. A inovação exige aproveitamento da melhor ideia, da melhor competência de cada pessoa. Todos precisam entender que fazem parte e não que isso está delegado, como antes, a uma área de qualidade que fazia qualidade, a uma área de processo que cuidava do processo, a uma área de inovação. A inovação não é só sobre produto, não é só sobre tecnologia. É sobre discussões incrementais ou mais subjetivas na atividade do dia a dia.

E, finalmente, é preciso repensar a estrutura. Estruturas muito hierárquicas, com muito de comando e controle, não conversam com esse ambiente de inovação. Falamos muito de criar estruturas mais horizontais, mas como? No livro, conto um pouco de como fizemos na Randoncorp e em outras entidades onde atuo, que não é eliminar uma coisa para colocar outra. As estruturas hierárquicas ainda são importantes para organizar, para se poder ter minimamente uma eficiência de escala, mas há necessidade de outras mais horizontais que facilitem a inovação, onde o medo do erro não esteja presente.

O que as empresas que buscam se perpetuar e deixar um legado esperam de um líder?

Vejo o líder como um grande orquestrador, que inspira e influencia pessoas e movimentos. Hoje, se exige do líder que tenha mais tempo para olhar tudo isso. O que está sendo exigido do líder é o que sempre esteve escrito nos livros de liderança, mas que, de alguma forma, fomos deixando de lado e, agora, estamos vendo a necessidade de resgatar a essência. E, aí, tem várias competências novas, várias estratégias para adotar. Praticar a ambidestria na liderança é uma arte, não é uma coisa simples. Tem momentos dentro da organização em que eu ainda me posiciono mais no modelo tradicional e participo de reuniões ou de símbolos e rituais mais tradicionais. Mas tem outros momentos em que estou em grupos em que, se me valer desse modelo, não sou nem inserido e nem aceito, porque já não admitem a hierarquia. O desafio é poder sentar nessas diferentes cadeiras no mesmo dia. Isso é uma arte, uma competência nova que está sendo exigida da liderança.

A hierarquia em si não é o problema. O problema é a cabeça, a mentalidade com que você senta nas posições dessa hierarquia. Há processos de transformação, mas que você precisa identificar quem tem ou não de aliado, quando avança ou não, pois as organizações não vão deixar de ser verticais, hierárquicas do dia para a noite, e passarem a ser horizontais e colaborativas. É o líder que tem que ajudar a fazer essa transformação. E ele só vai conseguir ajudar a fazer essa transformação se estiver inserido dentro da regra do jogo atual, com uma mentalidade e uma cabeça diferentes para ajudar a mudar os procedimentos, o modelo de funcionamento de sua organização.

O Líder em Transformação: os Aprendizados Frente aos Novos Desafios da Economia Digital 

Daniel Martin Ely 

Alta Books, 192 páginas

. Clóvis Malta é jornalista
clovis.malta@ankreputation.com.br


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