Luiza Trajano: “Em relação à reputação, eu nunca vi risco, vi preços a pagar”

A presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza fala sobre as perspectivas para o Brasil e o papel da reputação para impulsionar os negócios Anik Suzuki, Christianne Schmitt e Lucia Ritzel

Luiza diz que as empresas devem ser protagonistas do país – Fotos: Gladstone Campos / Especial Reputation Feed

As trajetórias de Magazine Luiza e Luiza Helena Trajano se confundem. Até no nome, embora o da empresa venha da tia de Luiza, a fundadora da marca criada em Franca (SP), na década de 50. Sob sua gestão, o Magazine Luiza tornou-se uma das maiores redes varejistas do país, atualmente comandada pelo filho, Frederico, responsável pela virada digital que transformou a empresa também numa poderosa plataforma de varejo, que, em vendas, teve um crescimento médio anual de 28% nos últimos três anos. Muito além de fortalecer a empresa e a marca, no entanto, Luiza Trajano construiu história e identidade próprias.

À frente do Conselho de Administração da rede varejista, segue definindo estratégias e zelando pela companhia, mas conquistou uma representatividade singular comprando causas em nome do empreendedorismo e do protagonismo feminino, à frente do Movimento Mulheres do Brasil, e, mais recentemente, em meio à pandemia da Covid-19, liderando uma campanha para estimular a vacinação. Não se abstém de fazer manifestações políticas, nunca a favor de partidos ou ideologias políticas, sempre a favor do Brasil, como ela mesma afirma.

Nem por isso, deixa de ser envolvida, vez ou outra, em fake news no polarizado terreno das redes sociais, ambiente no qual Luiza transita habilmente. Única brasileira a integrar a lista das 100 pessoas mais influentes do mundo da revista Time, em 2021, a também Top Voice do LinkedIn garante sentir muito orgulho de ser reconhecida por sua reputação. Desde 2017, a empresária figura, todos os anos, no topo do ranking da pesquisa Merco, que aponta os líderes de maior reputação no país.

Nesta entrevista ao Reputation Feed, em sua ampla e envidraçada sala, à vista de todos, no escritório-sede do Magazine Luiza, na Marginal Tietê, em São Paulo, além de falar sobre reputação, Luiza avaliou a evolução de temas ESG no país, tratou sobre posicionamento e a sua representatividade como líder. Na conversa, não evitou abordar a questão da polarização e os seus efeitos e confessou ainda que, apesar do tamanho engajamento que alcançou nas redes sociais, lidar nesse mundo “é um aprendizado contínuo”.

O ano de 2023 se iniciou com muitos desafios. Qual é a sua expectativa levando-se em consideração os temas negócios e reputação?

Não consigo ver o ano, vejo como um pós-Covid. A pandemia trouxe consequências que a gente ainda não entendeu. E não se pode falar sobre reputação, sem se falar de ESG. Em 2011, ninguém me perguntava se eu tinha diversidade em conselho. Hoje, para estar na B3, fazem um questionário. Quando eu ia pensar que eu ia ver o mercado financeiro entrar no ESG? Hoje é uma obrigação.

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Como trabalhar reputação dentro das empresas? Como você fez aqui?

A gente tem premissas muito sérias. Somos obrigados a ser simples e transparentes e temos cinco inegociáveis. Mas isso não é de agora, é de anos. É uma postura, desde a pessoa no cargo mais elevado até a no mais simples. Quando me perguntavam sobre propósito, como tratar pessoas, sobre diversidade, por exemplo, eu falava: vai devagar. Hoje, eu digo: ou o presidente entra (na agenda ESG) ou daqui cinco anos está fora.

Uma lista de cinco itens estabelece comportamentos que não são admitidos na empresa – Imagem: Reprodução/Magazine Luiza


“Você não vai conseguir agradar todo mundo quando você toma uma posição”


“Quando fizemos o programa de trainee, tivemos 72 horas de paulada. Hoje, só recebemos elogio. Ninguém pode mexer com a minha reputação porque eu fiz o treinamento. Podem não gostar, mas isso não afeta a reputação.”

Do ponto de vista do seu posicionamento público, quando a empresa decidiu fazer o programa de trainee exclusivo para negros (em 2020), medida que provocou grande repercussão, você foi firme. Qual é o preço disso?

Em qualquer mudança de paradigma, principalmente de ideologia, de propósito, você paga um preço. Quando fizemos o programa de trainee, tivemos 72 horas de paulada. Hoje nós recebemos elogio e premiação no mundo inteiro. Por quê? Nós estávamos mudando um treinamento que nunca havia sido mudado. Hoje, o mundo inteiro faz parecido. Lançamos o segundo programa, e não tivemos mais crítica. Ninguém pode mexer com a minha reputação porque eu fiz o treinamento. Podem não gostar, mas isso não afeta a reputação.

Quando se chega neste ponto, muitas empresas e empresários recuam e pedem desculpa. Você diria o que para as empresas?

Eles têm que fazer. Se não fizerem, a empresa não será bem avaliada.

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Neste sentido, você pode destacar quais foram os maiores riscos e como foram administrados?

Em relação à reputação, eu nunca vi risco, vi preços a pagar.

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Este ponto de preços a pagar é relevante, porque não estamos mais vivendo num mundo que permite ficar em cima do muro, agradar todo mundo o tempo inteiro.

Você não ganha de dois lados.

Você tem uma reputação construída muito sólida. Então, é mais difícil de afetar?

Afeta o próprio Magazine, muitas vezes. Você não vai conseguir agradar todo mundo quando você toma uma posição, quando você tem uma liderança. Se você não tem, é mais fácil.

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“Eu sempre fiz. As pessoas precisam de exemplo concreto”

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Na sua fala, vem muito que o mundo mudou. Você tem noção do quanto você contribuiu para fazer essa mudança, com o seu posicionamento?

Por que recebi tantos prêmios? Porque eu sempre fiz. As pessoas precisam de exemplo concreto, e eu sou um exemplo concreto. Não sou a única.

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Muitos empresários têm princípios, respeitam o DNA, a cultura da empresa, mas não conseguem transparecer isso, porque a reputação é o olhar do outro. As pessoas têm que perceber. Aqui a gente nota isso em todos os lugares. Como conseguir isso?

É começar fazendo. Ter um ambiente saudável. Temos um lema no nosso crachá: faça ao outro o que você gostaria que fizessem com você. Quando você chega numa empresa, como você quer ser recebido?

É

“Eu tomo muito cuidado com a comunicação, porque comunicação não é o que você fala, é o que o outro entende. Aqui tem a minha voz”

Mas é preciso ir fazendo com uma decisão estratégica de negócio, não?

Não é nem negócio. É postura. O negócio é consequência. Você tem que ser, para ter. Se você quiser ter, para ser, não dá muito certo. O que atrapalhou muito foi (a busca do) resultado a curto prazo (promovido) pelo mercado financeiro. Muita gente fez a qualquer custo.

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Você é uma top voice no LinkedIn. Você valoriza este posto e se dedica à rede? Alguns presidentes de empresa preferem ficar de fora das redes e dizem que não têm tempo para elas.

Eu também tenho dificuldade com isso. Mas eu uso e tomo muito cuidado com a comunicação, porque comunicação não é o que você fala, é o que o outro entende. Muitas vezes, você quer dizer uma coisa e o outro não entende, e o problema é seu. É um aprendizado contínuo.

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Você dedica tempo para manter-se nas redes sociais?

Eu escrevo à noite. Passo para o Ricardo (o assessor Ricardo Carvalho, que trabalha com Luiza há 28 anos). Eu geralmente escrevo no Instagram, e ele passa para o LinkedIn.

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Você nota diferença de ter as redes ativas, respondendo as pessoas? Qual o benefício?

É muito difícil uma empresa não ter redes sociais. Agora, aqui, tem a minha voz. Eu tenho quase 800 mil seguidores, sem nunca pagar por nenhum. Mas também não tenho um compromisso de ser esta voz da companhia. Às vezes, eu passo uma semana sem postar nada.

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Ou seja, independentemente da companhia, você já é uma marca, uma voz.

Porque eu tenho um nome, eu entrei em muitas causas. Eu falei de mulher muito antes de tudo. Agora fizemos um trabalho belíssimo a favor da vacina (em referência ao Movimento Unidos pela Vacina, liderado por ela). Graças a Deus, várias mulheres também atuam neste sentido atualmente. Eu não quero ser a única.

“Reputação é o que você é e como os outros veem você. Não adianta ser uma coisa e os outros não enxergarem você daquele jeito. Por isso, o reconhecimento pela reputação me orgulha muito”

O que é reputação para você?

Reputação é o que você é e como os outros veem você. Não adianta ser uma coisa e os outros não enxergarem você daquele jeito. Por isso, o reconhecimento pela reputação me orgulha muito.

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Neste novo mundo, quais são as oportunidades para quem ainda não é a Luiza, mas quer ser relevante?

Não precisa ser a Luiza. Todas as que fazem são inspiração.

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O que uma empresa pode fazer para cumprir o seu papel na sociedade?

Ela tem de ser protagonista do país.

Anik Suzuki é CEO da ANK Reputation, Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed e Lucia Ritzel é consultora sr. e head de Conteúdo da ANK Reputation

christianne.schmitt@ankreputation.com.br



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