“O líder tem de colocar reputação e marca na estratégia da organização e, depois, promover na prática os atributos-chave da organização. Se não for assim, não vai ter pontes construídas com cada um dos públicos. Reputação não acontece pelo que se fala; só se sustenta, a longo prazo, se for entregue diariamente.”
Para contar sobre como um setor tão sensível à percepção dos públicos como o financeiro faz gestão de reputação e de riscos reputacionais, o Reputation Feed decidiu ouvir César Bochi, diretor-presidente do Banco Cooperativo Sicredi. E, nesse caso, ainda saiu no lucro, por trazer o tema reputação e confiança também em outro segmento relevante: o cooperativo.
Com 120 anos de história, o Sicredi está presente em todos os Estados brasileiros e no Distrito Federal, tem 2,7 mil agências e 8 milhões de associados (no sistema cooperativo não há clientes, mas associados) e mais de 44 mil colaboradores. No primeiro trimestre, a instituição registrou R$ 340 bilhões em ativos totais e patrimônio líquido de R$ 38 bilhões.
“Nada sobrevive sem reputação positiva”, afirma César. De acordo com ele, a responsabilidade com cada um dos associados é grande e, por isso, a vigilância é constante. “Nós estamos relacionados ao impacto positivo que geramos, seja para o associado seja para a comunidade onde atuamos”, acrescenta o executivo, um entusiasta da gestão de marca e reputação, do fortalecimento da cultura organização e do relacionamento cuidadoso com todos os stakeholders.
Leia, a seguir, os principais pontos da entrevista concedida na sede da instituição, em Porto Alegre.
Considerando que a confiança é essencial para a operação de uma instituição financeira e que confiança e reputação são indissociáveis, qual é o papel da reputação na estratégia do Sicredi?
Reputação nasce da estratégia, passa pelos valores, molda a cultura, tem uma camada inicial voltada à questão de marca de comunicação, mas extrapola para todos os stakeholders, que sentem o Sicredi pelo que ele é, não pelo que ele deseja ser. O Sicredi tem um modelo diferente de uma instituição financeira tradicional, não é melhor, nem pior, é diferente.
Nascemos no Rio Grande do Sul, há mais de 120 anos, e somos uma cooperativa de crédito pioneira, que atua em todos os Estados, temos 8 milhões de associados. Então, precisamos ser reconhecidos em como afetamos positivamente, nesse modelo cooperativo, colaboradores, associados e comunidade. Isso passa pelos nossos atributos de valor – como relacionamento feito por uma empresa humana, que faz bem para a sociedade –, que reforçam a nossa reputação.
Na prática, quais são as alavancas de uma boa reputação na cooperativa?
A educação financeira é um pilar muito forte. O objetivo é mostrar que os produtos entregues para o associado vão elevar o seu bem-estar financeiro, o que, muitas vezes, não representa a concessão do crédito. Assim, nas relações com o seu gerente de negócio, com a sua agência, o associado percebe que o interesse maior da cooperativa é o seu bem-estar, e isso vai gerando uma reputação positiva. Por isso, o Sicredi quase dobra de tamanho a cada três anos.
Os ativos crescem de 20% a 30%, ao ano. Nosso NPS, a diferença entre promotores e detratores, é 75. Quando questionados, cerca de 80% dos associados indicariam o Sicredi para alguém se associar. Nós também crescemos pela própria indicação de associados. A cooperativa atua muito próxima ao associado e, pelo modelo de negócio, é transparente nas relações e presta contas.
“Tu indicarias algo para alguém, se não confiasse? Quando tu indicas, tu estás levando junto a tua reputação, tu acreditas tanto naquela pessoa profissional ou empresa que está avalizando que estás colocando a tua reputação junto. (Reputação) é muito importante para a gente. Tem que ser verdade. Não se sustenta sendo só um discurso.”
O modelo cooperativo consegue sobreviver sem reputação? Nesse modelo, como se conquista uma boa reputação?
Nada sobrevive sem reputação positiva. Nós estamos relacionados ao impacto positivo que geramos, seja para o associado seja para a comunidade onde atuamos. O Sicredi tem 2,7 mil agências e, neste ano, vamos abrir mais 250. Acreditamos muito na proximidade física como estreitamento das relações humanas e mobilização de rede cooperativa. Para ser próximo, é preciso reputação e confiança, porque confiança é a soma de promessa e entrega. Isso serve numa relação local de cada pessoa, de cada um dos 45 mil colaboradores do Sicredi.
A partir disso, conseguimos organizar uma cadeia de valor. No final do dia, o que a gente quer gerar? Nosso propósito é construir juntos uma sociedade mais próspera. A gente quer que a comunidade se desenvolva. Por isso, o Sicredi se sobressai em relação ao mercado tradicional em momentos ruins, como na pandemia e durante a crise climática, em maio, no Rio Grande do Sul (veja, ao fim da entrevista, as iniciativas da instituição para apoiar os atingidos pela enchente).
Qual o papel da cultura organizacional para a reputação de uma instituição como o Sicredi e qual é a estratégia para mantê-la coesa em um sistema com tamanha complexidade, em que cada associado também é dono da instituição?
Não é à toa que cultura está na estratégia, é o nosso principal diferencial competitivo. Em um mundo em que tudo é igual, tecnologia, produtos e serviços, cultura destaca os elementos, os atributos de valor que nos diferenciam no mercado. No nosso caso, eles são muito conectados com os nossos valores que são atendimento humano e próximo, o ‘pode contar comigo’, a atuação no desenvolvimento local. Esses comportamentos têm que ser praticados pelos colaboradores, que são avaliados a partir da definição de competências, de um plano de desenvolvimento e feedback, alicerçados nesses valores.
“Para ser próximo, é preciso reputação e confiança. E confiança é a soma de promessa e entrega.”
Qual o papel do líder na disseminação da cultura e da reputação?
O líder tem que ser o exemplo de reputação da empresa que quer ser percebida por todos os seus stakeholders. É preciso identificar como entregar os atributos que geram a reputação para cada um dos públicos. Além de exemplo, o líder tem de colocar reputação e marca na estratégia da organização. A partir disso, definir os atributos-chave da organização e promovê-los na prática. Se não for assim, não vai ter pontes construídas com cada um dos públicos. E reputação não acontece pelo que se fala; só se sustenta, a longo prazo, se for entregue diariamente.
Quais são os maiores riscos reputacionais para uma instituição financeira cooperativa e qual a estratégia para mitigá-los?
Seguimos todas as normas e regulamentações do Banco Central, o que nos garante um olhar rigoroso aos processos de riscos, incluindo os de reputação. Cuidar do dinheiro dos nossos associados é uma responsabilidade muito grande, e temos plena consciência de que a reputação é um ativo fundamental para a saúde do negócio. A reputação positiva tem como base a confiança, por isso, possivelmente o maior risco reputacional resida justamente nesse ponto. Assim, fortalecemos cada vez mais nossos laços com os associados, por meio de ações práticas que materializem o nosso propósito. Confiança também é um dos atributos da nossa marca, por isso, buscamos levar essas mensagens também externamente e manter a aderência entre nossos discursos e práticas.
“São vários os riscos aos quais todas as grandes organizações estão expostas e que podem impactar em reputação. Para cada um deles, temos mapeamentos e plano de atuação e contingência para mitigação, a depender de cada caso. Sabemos da responsabilidade que temos com cada um dos nossos associados e seguimos sempre vigilantes quanto a isso.”
O avanço da Inteligência Artificial traz quais oportunidades e quais riscos reputacionais para o setor financeiro, em geral, e para o Sicredi, em particular? Quais são os principais desafios e de que forma a instituição está trabalhando neste tema?
Usamos IA, desde 2018, no atendimento com foco nos nossos colaboradores. Em 2020, lançamos o Theo, assistente virtual também para o público externo. Atualmente, temos realizado experimentos com o uso da IA generativa e desenvolvemos uma versão interna chamada de Theo GPT, para trabalhar de forma semelhante ao ChatGPT. A partir de 2023, começamos a utilizar diversos casos de IA generativa para aumentar a eficiência e gerar novos negócios. A IA generativa já tem nos ajudado a desenvolver a hiperpersonalização. Quanto aos desafios, entendo que o uso ético dos dados sempre deve ser observado para evitar qualquer uso indevido.
Como você vê o uso de redes como o LinkedIn, na qual você tem atuação ativa, para a construção de reputação?
O posicionamento dos executivos nessa rede contribui para ampliar as mensagens estratégicas da marca que representam. Pesquisas mostram, e concordo muito com a afirmação, que pessoas confiam em pessoas e, nesse sentido, executivos são fundamentais em estratégias de posicionamento e reputação das marcas. Aprendemos mais quando compartilhamos as nossas ideias. Minhas estratégias na rede têm como base temas-chave para os quais tenho me dedicado ultimamente e que têm conexão direta com o propósito e posicionamento do Sicredi, passando principalmente por cultura, bem-estar financeiro e liderança.
“Para a construção da reputação de um líder, são fundamentais a habilidade de comunicação e a mobilização dos diferentes stakeholders, a partir da definição de temas prioritários, canais e formatos diferentes para interagir com cada um.”
Você construiu toda a sua carreira dentro do próprio Sicredi. Ao longo dessa jornada, quais foram os elementos que você considerou para construir a sua reputação como líder?
A minha história se mistura com a do Sicredi, o que tem relação direta com a minha identificação com o modelo de negócio que tem o objetivo de gerar prosperidade para as comunidades. A minha jornada de liderança não foi planejada, mas sempre busquei fazer o melhor na função em que estava atuando no momento. O meu primeiro cargo de liderança veio pelas minhas habilidades técnicas, mas, a partir daí, o que me diferenciou foi a vontade de construir novas soluções.
Para a construção de reputação de um líder, eu considero que são fundamentais as características que passam principalmente pela habilidade de comunicação e mobilização dos diferentes stakeholders, a partir da definição de temas prioritários, canais e formatos diferentes para interagir com cada um. Além disso, é essencial construir cenários com objetivos claros e a habilidade de tomar e comunicar decisões de forma clara e transparente.
Enchentes do RS
“Atuamos rapidamente para ajudar a salvar vidas e fornecer suporte essencial, como alimentos, abrigo e antecipação de benefícios aos nossos colaboradores. Prorrogamos operações de crédito, ajustamos datas de vencimento de cartões, facilitamos o acesso aos seguros e ampliamos prazos de pagamentos, entre outras ações. Trabalhamos também com diversas entidades para garantir a inclusão das cooperativas de crédito nas soluções financeiras emergenciais.
A capilaridade e a proximidade com as pessoas oportunizam para que o recurso chegue a quem realmente precisa. Nossa atuação como repassadores das linhas de crédito é ainda mais fundamental, pois objetiva, acima de tudo, a geração de renda, impulsionando a proteção do emprego e recuperação econômica. No Centro Administrativo do Sicredi, localizado em um ponto que não alagou em Porto Alegre, acolhemos a Defesa Civil do Estado, garantindo que pudessem continuar suas operações e salvar vidas.”
Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
Christianne.schmitt@ankreputation.com.br