Reputação no board#4 (Final)
Com a experiência de quem atua há décadas em conselhos de administração, tanto no comércio quanto na indústria, Osvaldo Burgos Schirmer tem uma definição muito pessoal sobre o que entende como reputação corporativa. Reputação é respeito e preservação da cultura das organizações, afirma.
Reputação se constrói no trato com os fornecedores, com os clientes, com a mão de obra, com a comunidade – com todos os stakeholders, acrescenta Schirmer. Ele é membro de conselhos de administração de organizações como Renner, SLC e Yduqs (ex-Estácio), além de conselheiro consultivo de Oleoplan, FCC, Meta e da holding da família Logemann.
A seguir, uma síntese da conversa que fecha a série Reputação no board, publicada ao longo das últimas semanas com alguns dos mais influentes conselheiros de empresas do país.
“Cultura própria preservada gera confiança”
O que eu considero mais relevante em termos de reputação como impulsionador de negócios é respeito e preservação da cultura das organizações. A empresa que tem uma cultura própria e a protege, preservando-a, reúne todas as condições de gerar confiança.
“As pessoas estão preocupadas com ESG, achando que é passaporte para o céu”
Reputação se constrói muito além de ESG, pois tem a ver com o trato com fornecedores, com clientes, com mão de obra, com a comunidade que cerca as empresas ou seus pontos de excelência. As pessoas estão muito preocupadas com a questão do ESG, achando que isso é passaporte para o céu. Tem muita gente correndo feito louca para se enquadrar nas normas. Muita gente acha que, se for legal com o meio ambiente, está comprando o indulto.
“Relacionamento com fornecedores é desafio em relação à reputação”
Um dos principais desafios dos conselhos de administração para encaminhar temas associados à reputação dentro das empresas é o relacionamento com fornecedores e clientes. É preciso ser obsessivo na questão dos fornecedores em relação a aspectos como mão de obra análoga à escravidão, por exemplo. É necessário saber se os fornecedores usam algo que seja danoso à natureza, se os cuidados com os produtos finais ocorrem de maneira adequada, pois tudo isso mexe com a reputação das empresas.
“É preciso desconfiar sempre, checar, checar, checar”
Muita gente no mercado dá crédito em cima de nomes, não de números. É preciso desconfiar sempre, checar, checar, checar. Com minha experiência na área financeira, entendo que, por mais reputação que alguém ou uma empresa tenha, deve ser examinada sempre como se não tivesse. No caso dos fornecedores, a atenção tem que ser maior ainda. No Brasil, a gente ainda consegue ver. Lá fora, temos que nos valer de terceiros para inspecionar um pequeno produtor no interior da China, por exemplo. Já, no que diz respeito a fraudes, não existe vacina. Fraude muda de cara, muda de tamanho, muda de origem, de mecanismos, e a humanidade vem fazendo isso ao longo dos séculos. É bem verdade que os instrumentos de controle também vão se aprimorando, mas a imaginação humana é sempre muito criativa. Quem dá crédito, tem que checar as coisas mais básicas, olhar o balanço, ter confiança na empresa de auditoria se de fato faz diligentemente avaliação e checagem. Tem que checar, checar, cruzar informações, ver referências, e não se basear simplesmente no nome da empresa.
“Da discussão de cabeças com backgrounds diferentes é que surgem as melhores ideias”
Um bom conselho de administração não é o que tem um monte de ex-financeiros, ou ex-engenheiros ou ex-qualquer coisa. O bom é quando há uma combinação de talentos, porque da discussão de cabeças com backgrounds diferentes é que surgem as melhores ideias. O que vale na montagem de um conselho é a escolha de pessoas que possam contribuir com visões diferentes e complementares. Historicamente, os conselhos eram feitos de homens maduros, ao redor dos 50, daí para cima, que já tinham vivência, experiência. O mundo mudou tão rapidamente, que, às vezes, você busca talentos com trinta e poucos anos para aportar no conselho ângulos de possibilidades de crescimento, de inovação, de disrupção. Na minha opinião, é a combinação deles que faz a excelência.
“Não deveríamos nos deixar levar por bandeiras extremamente poéticas”
Diversidade é uma bandeira linda, mas mais poética do que efetiva, na minha opinião, a ponto de terem vários movimentos no mundo, em relação aos quais eu sou particularmente contrário, exigindo cotas – cotas para mulheres, cotas para negros, cotas para sexos. As pessoas valem pelo que podem contribuir, sejam brancas, sejam pretas, sejam mulheres, sejam o que for. Preferência sexual, por exemplo, não deveria impedir ninguém de sentar num conselho. Todos valem pelo que são, não por suas preferências. Não deveríamos nos deixar levar por bandeiras extremamente poéticas.
“Numa decisão por consenso, a responsabilidade é de todos”
Quando todos conseguem convencer todos os demais, é muito melhor do que quando se aprova alguma coisa por sete a três, por cinco a dois, dependendo do tamanho do conselho. Aqueles que votaram contra o que acaba decidido pela maioria vão ter anotado lá no seu caderninho: dia tal, na reunião do conselho, eu disse isso, isso, isso. Está vendo? Eu estava certo. Numa decisão por consenso, em que todos se convenceram, a decisão passa a ser de todos e a responsabilidade é de todos. Não dá margem para alguém ficar dizendo: viu?, eu falei.
“Não dá para deixar para depois questões que envolvem pessoas e a saúde financeira da empresa”
O que não dá para deixar para depois numa empresa são questões que envolvem pessoas, avaliação de um CEO, de um COO. Se a decisão for tomada simplesmente no calor de uma reunião, pode ser temerária. Tem que ser trabalhada. Outra coisa que não se pode deixar para depois: saúde financeira da empresa. Eu não posso enfrentar a vida, nem fornecedores, nem banqueiros, com um balanço frágil. Tenho que ter pelo menos esse alicerce sólido para enfrentar dias à frente. Às vezes, não dá, e aí não tem conversa. Não deu, não deu. Por isso, existem as recuperações judiciais e outras.
“Em empresas de capital pulverizado, board é quem se preocupa com o longo prazo”
De maneira geral, pois já passei por muitas organizações, quando você tem empresas de capital pulverizado – ou seja, que não têm dono, nem controlador –, o board, no fundo, é a última instância, e quem se preocupa com o longo prazo. Nas empresas com controle definido, a preocupação com o longo prazo está na cabeça do controlador. Nas empresas em que atuo e com as quais eu convivo, vejo afinidade entre o que buscam o C-Level e o conselho de administração. Mas não posso dizer que isso seja uma regra geral de todos os C-Levels em todas as empresas de capital aberto.
Mais sobre Osvaldo Schirmer
Antes de começar a atuar como conselheiro de administração de grandes empresas, Osvaldo Schirmer teve uma exitosa carreira como executivo financeiro no Grupo Gerdau, onde atuou por quase 30 anos, e na Iochpe-Maxion, na qual trabalhou por 11. Aliás, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, ex-CEO e presidente do Conselho de Administração do grupo siderúrgico, é apontado como um dos líderes que tem como referência. Ao lado dele, Schirmer também destaca Antônio Ermírio de Moraes, empresário, falecido em 2014, que comandou o Grupo Votorantim por quase três décadas. E, para entender conselhos de administração a partir de uma abordagem menos operacional, indica livros do renomado pensador de gestão Ram Charan.
Clóvis Malta é jornalista
clovis.malta@ankreputation.com.br
A série Reputação no board tem o objetivo de apresentar a visão de conselheiros de administração sobre a importância da cultura reputacional nas organizações e ouviu quatro dos mais influentes componentes de colegiados no país para analisar o tema. Para conferir cada uma das entrevistas, clique em:
. Reputação no bord#1 – José Monforte
. Reputação no bord#2 – Dan Ioschpe
. Reputação no bord#3 – Leila Loria