José Monforte: Stakeholders exigem reputação para serem leais às empresas
Série de entrevistas traz as perspectivas de conselheiros de administração sobre a importância da cultura reputacional nas organizações
Christianne Schmitt
Reputação no board #1
“A nova moeda para as empresas é a lealdade dos stakeholders”, diz Monforte – Fotos: Jardiel Carvalho /Especial Reputation Feed
Movido pelo interesse de mostrar como os conselhos de administração tratam o tema reputação e lidam com a complexidade desses novos tempos nas organizações, o Reputation Feed inaugura com José Monforte a série especial de entrevistas Reputação no board. Monforte, que tem em sua trajetória a contribuição em mais de 20 colegiados, como Eletrobras, Petrobras, Banco do Brasil, Vivo e CCR, entre outras companhias estatais e privadas, e também foi um dos formuladores da governança da Natura. Nesta conversa, relaciona com objetividade os principais desafios da governança, não se esquiva de examinar os erros e de apontar como poderiam ter sido evitados no caso Americanas, defende uma maior proximidade do conselho com a gestão e afirma que reputação perpassa por toda a empresa.
Leia, a seguir, os principais trechos desta entrevista.
“O desafio é quase que uma governança live full time, porque o mundo está andando assim, em tempo real”
Desde a Revolução Industrial, não se enfrentou na história empresarial do Brasil um ambiente tão complexo. É uma mudança acelerada em relação a tudo. O avanço digital, e agora a Inteligência Artificial, por exemplo, impuseram desafios de modernização muito grandes ao mesmo tempo que trouxeram riscos para as empresas. Também mudou substancialmente a relação entre empresa e colaborador. Isso mexe com tudo: na forma de trabalhar, de remunerar, de reconhecer. Hoje, o conselho precisa entender a governança tanto em relação às pessoas quanto aos processos das empresas. Ainda é preciso endereçar muito o risco, presente a todo momento e que foi magnificado com o cyber risk. Já a conjuntura brasileira sempre foi volátil, meio imprevisível. Assim, no bom nome da governança, as estratégias para enfrentar esses desafios são desenvolvimento de pessoas, gerir risco e monitorar resultados. O desafio é quase uma governança live full time, porque o mundo está andando assim, em tempo real.
Se hoje vamos discutir reputação, ela está em várias ações ou áreas, desde a formatação de um processo de planejamento à estruturação de um propósito, passando pela medição de quanto está sendo bem avaliada ou mal avaliada
“Lealdade é mais importante do que o capital financeiro”
A nova moeda para a empresa é a lealdade dos stakeholders. Você só repete uma boa performance, se você mantém íntegros os elementos que contribuem para o seu sucesso: relação com fornecedor, relação com cliente, relação com a sociedade. Se você parar para pensar, nenhum negócio funciona, se a sociedade não acolher. Hoje, a lealdade é um capital mais importante do que o capital financeiro. O que os stakeholders exigem para serem leais, para darem essa moeda para as empresas? Exigem que as empresas tenham reputação. Se hoje vamos discutir reputação, ela está, não como um item de agenda, mas em várias ações ou áreas, desde a formatação de um processo de planejamento à estruturação de um propósito, passando pela medição de quanto está sendo bem avaliada ou mal avaliada.
“O propósito se integrou ao exercício do planejamento estratégico”
No passado, propósito não era muito frequente (na discussão do planejamento estratégico). Tinha missão, visão, valores e tal. O que é o propósito? É essa razão de ser expandida para aspectos morais, obrigações sociais, uma visão mais ampla. Hoje, a diferença é que isso se integrou ao exercício de planejamento estratégico, até porque você tem de fazer planos de ação em duas vertentes principais: do negócio e de sustentabilidade. Eu participei do começo da governança da Natura, e lá isso era religião, 23 anos atrás. Você começava pelas pessoas, o guardião dos valores. Era uma governança meio única. De lá pra cá, eu vi a evolução, alguns ainda por conveniência, muitos já por convicção. Seja por convicção ou conveniência, você terá a postura correta. Deve ser assim, porque é bom negócio.
Existem elementos para medir ou averiguar se a empresa está agindo com integridade
“Eu quero ter boa reputação? Quais são as guidelines para isso?”
Tem uma pauta para discutir reputação especificamente nos conselhos? Não. A pergunta é qual é a reputação. Reputação é a forma como eu sou avaliado e reconhecido pelo mundo com o que me relaciono. O que este mundo espera de mim para reconhecer uma boa reputação? Que eu faça as coisas de uma forma correta e entregue aquilo que eu me comprometo. Eu entendo que há um conjunto de coisas, embora não haja um item específico, de discussão de reputação. Eu quero ter boa reputação, reconhecimento e a lealdade dos meus stakeholders? O que sustenta isso? Quais são as guidelines para isso?
De uma forma geral, o compliance, que é o primeiro estágio de dizer: ‘olha, tem todo um conjunto de regras que devem ser obedecidas e, portanto, nós teremos boa reputação se nós respeitarmos essas molduras regulatórias’. A segunda questão é a que sociedade não reconhece boa reputação em quem tem más práticas e corrupção. Então, existem elementos para medir ou averiguar se você está agindo com integridade. Sobre esses aspectos, as empresas evoluíram muito. Ou seja, eu diria que não há essa tendência de trazer a discussão específica do que é reputação; eu diria que há, sim, uma adoção maior de discutir e avaliar se a empresa está praticando todas as políticas que a levam a manter uma boa reputação.
“Os incentivos dados aos executivos é que estabelecem o equilíbrio entre o trade off de curto e de longo prazos”
O longo prazo só existe se você tiver uma somatória de curtos prazos bem-sucedidos, senão você não chega lá. Ou seja, você vai manter bons fornecedores, colaboradores e clientes leais e tem que ter bom equilíbrio financeiro, gerar algum resultado para os acionistas. Nas empresas de capital pulverizado, em que as figuras do presidente e dos diretores assumem importância grande, entra a discussão de quanto eles agem na direção de privilegiar benefícios e remuneração por performance no curto prazo, esquecendo do longo prazo. Por isso, as políticas de remuneração de executivos são um dos temas mais centrais na governança. É por aí que deve ser construído o interesse equilibrado pelo curto e pelo longo prazos. E o conselho é o guardião. A remuneração tem que ser em linha com a cultura vinda do propósito e da reputação que você quer ter. O conselheiro tem que ter essa consciência, e as empresas, na maior parte das quais eu estive e estou, os ajustes de política de incentivo e de remuneração são bastante presentes e frequentes. Os incentivos dados aos executivos é que estabelecem o equilíbrio entre o trade off de curto e de longo prazos.
“Americanas é um ponto fora da curva”
Eu não acredito em governança e conselho em que não tenha um grau de engajamento profundo com a empresa. Americanas é um ponto fora da curva. Como a questão evoluiu durante tanto tempo? Eu não tenho todas as informações para fazer um julgamento final, mas, segundo a previsão, as reuniões de conselho eram trimestrais. Não sei qual era a prática, mas reuniões trimestrais são insuficientes para o grau de engajamento e de informação (necessário) para o conselho. É preciso aprofundar mais o envolvimento do conselho com um grupo maior da gestão da companhia, interagir, entender, conhecer as pessoas. Muitas vezes, só o presidente da empresa vai ao conselho. Estou interagindo? Deixa eu desafiar um pouco as premissas que estão me trazendo aqui. Não é duvidar, mas desafiar. Por que esse endividamento cresce tanto? É difícil ponderar, não tendo todas as informações.
Governança existe para apoiar o processo para o sucesso da empresa; por isso é preciso estabelecer uma que funcione
“Governança é de engajamento, de proximidade com a gestão”
É preciso ter a sabedoria de até onde o conselho deve atuar em relação à gestão. Existe, sim, uma preocupação de que o conselho não passe a exercer a gestão da companhia e se torne tão responsável pelos atos de gestão como os próprios gestores. E, certamente, o grau de envolvimento varia um pouco conforme o estágio de desenvolvimento das companhias. Mas a minha visão de governança é de engajamento, de proximidade com a gestão. Além disso, por força da lei das sociedades, nas companhias de capital aberto, o conselheiro é o administrador, ele tem de estar absolutamente informado e ter a capacidade de refletir e de entender para decidir.
“Governança efetivamente acontece nos comitês”
A governança efetivamente acontece nos comitês. O conselho se reúne numa agenda diversificada, sem tempo de mergulhar profundamente em todos os assuntos. Quem faz isso pelos conselhos? Os comitês, que destrincham as matérias, as propostas da gestão e assessoram o conselho. Por isso, se pede, não se exige, que os comitês sejam populados por conselheiros e especialistas da matéria. E eu acrescento o gestor da área. Aí acontece a interação, o engajamento e o aprofundamento das matérias. Governança existe para apoiar o processo para o sucesso da empresa. Você tem que montar alguma coisa que funcione.
O conselho deve ser complementar nas suas competências e muito homogêneo na capacidade de interagir
“A dinâmica de funcionamento de um conselho é influenciar e se deixar influenciar”
O conselheiro tem que ser um ótimo generalista e trazer para a empresa uma competência específica para aquele momento do mandato. Também tem de ter a skill interpessoal, ou seja, a capacidade de interagir em colegiado. A dinâmica de funcionamento de um conselho é influenciar e se deixar influenciar. Quem tem um conhecimento específico é aquele que vai influenciar mais os outros numa determinada matéria. E quem não é o especialista vai procurar entender o que o outro está falando. O conselho deve ser complementar nas suas competências e nas suas capacidades de interpretar as coisas e também muito homogêneo na capacidade de interagir.
“Se você não tiver um conjunto de medidas preventivas, vai viver em crise”
Você tem que ter bem definidos os planos de ação para lidar com crise, mas tem que ter absolutamente bem-definidos os compliances, as políticas e a gestão de risco. Isso é preventivo de crise. Gestão de crise é agir em cima dela, então, o melhor é evitar que ela aconteça. Toda a empresa deve ter bem-definido quem é o porta-voz, quem constitui o comitê de crise, como é que a empresa deve agir. Tudo isso é um conjunto que deve estar lá. Mas, antes, é preciso ter a gestão de risco e o compliance, que são planos de ação que evitam que se entre em crise. Muitas vezes, as crises são inevitáveis, acontecem a despeito de você. Se você não tiver esse conjunto de medidas preventivas, vai viver em crise. Os processos de gerir crises precisam ser presentes o tempo inteiro.
Maissobre José Monforte
O economista tem papel relevante no desenvolvimento da governança no país, tendo sido presidente de conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), de abril de 2004 a março de 2008. Antes, teve uma consolidada carreira executiva no sistema financeiro, com atuação em instituições como Merrill Lynch e Citibank. Ao deixar as cadeiras de executivo, elegeu como temas de estudo modelos de negócio na modernidade, futuro do trabalho e futuro do dinheiro. Hoje, contribui para os conselhos de Administração da Assaí Atacadista e da empresa de infraestrutura de transportes CCR. É board partner da climate-tech brasileira BlueBell Index e está no conselho consultivo da startup de monetização de dados DrumWave, criada pelo paulistano André Velloso, no Vale do Silício.
Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed christianne.schmitt@ankreputation.com.br
• Na próxima entrevista da série Reputação no board: Dan Ioschpe, presidente do Conselho de Administração da Iochpe-Maxion e integrante dos colegiados de Embraer, WEG e Cosan, entre outros.
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