Superação de crises nos torna melhores, mais rápidos e mais fortes

Em um mundo instantâneo e conectado digitalmente, o treinamento, o preparo e a busca de previsão, mesmo sobre o imponderável, ganham relevância Por Ricardo Santin

Atributos de produtos se vincularam a valores das cadeias produtivas e reputação setorial ganhou pauta de forma mais relevante – Foto: Shutterstock

Entidades setoriais de grandes cadeias produtivas estão habituadas às tensões que podem se desenrolar em crises. Até tempos atrás, esta era uma situação mais frequentemente relacionada à sustentabilidade econômica do negócio, especialmente em quadros de custos de produção mais elevados. Isso mudou a partir da década passada. A reputação setorial ganhou a pauta de forma mais relevante e ampla. Atributos de produtos se vincularam intrinsecamente com os valores representados pelas cadeias produtivas. Cadeias com presença global, como a avicultura e a suinocultura do Brasil – com embarques para mais de 150 mercados –, sentem este quadro de forma mais aguda, já que levam a marca-país entre seus atributos.

Lá fora, autoridades e stakeholders acompanham de perto as práticas setoriais. Nossos concorrentes, também. Não é à toa: o Brasil é líder mundial há muitos anos nas exportações de carne de frango e segue em plena ascensão na carne suína, na qual ocupamos o quarto lugar no ranking de exportadores.

A situação não é diferente em nosso mercado interno. Consumidores buscam informações cada vez mais detalhadas sobre como os produtos chegam à mesa. Organizações não-governamentais apresentam constantemente as suas pautas ao setor. Entes do governo e de órgãos reguladores mantêm relação de observância próxima e detalhada sobre as práticas produtivas. Eventualmente, informações erroneamente interpretadas geram equívocos e crises – algumas delas, sui generis. Daí surgem absurdos como a ideia de uso de “papelão na carne” – algo que já foi amplamente esclarecido se tratar de embalagem de produto e não de insumo na produção do alimento.

Apesar de absurdo, o caso foi divulgado no âmbito de uma operação policial. Aqui não quero fazer juízo de valor dos fundamentos da operação – que são justos em sua essência, focada na contenção do comportamento ilegal de alguns poucos entes públicos e privados. No entanto, o que coloco à mesa para debate é a divulgação de inverdades, o que ultrapassa a fronteira do razoável e, a princípio, são imprevisíveis a qualquer plano.

“Não são apenas disparates que rondam a reputação setorial. Questões reais, formatadas e descontextualizadas, são utilizadas de forma equivocada em diversas situações – potencializando a ocorrência de fake news.”

Mas não são apenas “disparates” que rondam a reputação setorial. Questões reais, porém, formatadas e descontextualizadas, são comumente utilizadas de forma equivocada em diversas situações – seja em estudos com finalidades protecionistas ou em comentários de personalidades ou de influencers, sem base em ciência, potencializando a ocorrência de fake news. Não são os raros comentários com vestes técnicas, mas bases erradas.

Este é o imponderável que, por vezes, nem as mentes mais criativas podem prever. É o fator que inicia ou prospera uma situação de crise. Mas esta imprevisibilidade pode se reverter em uma oportunidade de aprimoramento na busca incessante para reduzir os efeitos nocivos das crises.

O receio de ocorrências como essas nos motiva a incessantes ensaios antes de cada nova estratégia de ação e aperfeiçoa as nossas decisões. Temos maior maturidade de nossas mensagens para o mercado e o consumidor do Brasil e do mundo nos dias de hoje em comparação com alguns anos atrás – e, certamente, o imponderável e a prevenção à crise foram impulsionadores deste processo. Abarcamos mensagens a assertivas e buscamos reduzir margens para entendimentos equivocados – medidas que parecem óbvias, mas que é algo muito mais complexo nos tempos atuais. São medidas que não se restringem às relações públicas, alcançando toda a estratégia de trabalho institucional-setorial.

Os antigos ensinamentos sobre aprender com erros e acertos do passado e as trilhas deixadas após a superação das crises, especialmente aquelas com situações imprevisíveis aos planos, tornam-se mais importantes ainda. Em um mundo instantâneo e conectado digitalmente, o treinamento, o preparo e a busca de previsão, mesmo sobre o imponderável, ganharam relevância. São situações que nos impulsionam a melhorias não apenas na gestão da crise em si, mas também em como pensamos as empresas e as cadeias produtivas. Claro que as crises são indesejáveis, entretanto, a superação delas nos torna melhores, mais rápidos e, principalmente, mais fortes.

Ricardo Santin é presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA)


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