“Não tenho dúvida, que, sob o ponto de vista de reputação, zelar para que as práticas ESG estejam adequadas é uma condição sine qua non. Agora, em relação à oportunidade, o mercado lá fora não está disposto a pagar prêmio verde, mas tampouco quer comprar o que não é verde e sustentável.”
As empresas brasileiras já entenderam a questão dos riscos climáticos para os negócios, mas o setor privado ainda não alcançou o tamanho das oportunidades que surgem com a transição para uma economia mais verde e de baixo carbono. O tom de alerta é de Luciana Antonini Ribeiro, sócia da empresa de private equity eB Capital, com quem o Reputation Feed conversou para tratar sobre esse, que é um dos principais desafios contemporâneos, e também sobre a relevância da reputação para alavancar negócios.
Líder em 2024 da força-tarefa de investimento e infraestrutura do B20, principal fórum privado do G20, e cocriadora do Brazil Climate Summit, grupo de lideranças formado para posicionar o Brasil como um centro global para soluções do clima, Luciana tem sido uma das vozes potentes no país para discutir, agregar e encontrar saídas para impulsionar a ação climática.
Nesta entrevista, Luciana fala sobre a importância de as empresas assumirem um posicionamento de longo prazo como comunidade empresarial em relação às oportunidades do clima; sobre como as empresas devem se preparar para aproveitar a realização da COP 30 no Brasil, em 2025 e, também, sobre a própria jornada de construção reputacional baseada em walk the talk.
Confira, a seguir, os principais trechos:
Você lidera iniciativas privadas e institucionais para estimular investimentos em soluções que mitigam os efeitos das mudanças climáticas e vem sendo chamada como a investidora do clima. Você se vê neste papel?
Como investidora, eu não nasci no negócio do clima e, sim, na perspectiva de como investir em oportunidades extraordinárias para os nossos investidores, transformando positivamente o país. Fizemos investimentos em diferentes setores, e eu comecei a deparar com oportunidades vinculadas ao clima, que não é o mesmo que sustentabilidade, nem ESG nem investimento de impacto. São oportunidades de uma nova economia. Então, sim, eu hoje sou uma investidora do clima. E a minha crença é que não tem nada que possa produzir retornos melhores para os nossos investidores e para o país.
“É muito poderoso para a reputação quando você tem uma crença forte alinhando os seus vários chapéus e mostra que aquilo que você fala é o que você acredita e executa.”
O que esse reconhecimento de investidora do clima representa na construção de sua trajetória de reputação e de liderança?
Como liderança, eu tenho a oportunidade de atuar para fora da eB Capital em iniciativas que permitem uma capacidade de transformação, às vezes, até global. Em 2024, por exemplo, fui convidada para ser chair da força-tarefa de finanças e infraestrutura do B20 (fórum de diálogo mundial que conecta a comunidade empresarial aos governos do G20). Essa minha atuação no profit, também como o trabalho no Brazil Climate Summit e, agora, com a criação do Brazil Climate Institute, faz parte da mesma crença do que eu faço para a eB Capital e para todos, até porque há muitos concorrentes neste mesmo ambiente. É uma causa de Brasil na qual acredito e onde está o meu dinheiro. Isso tudo forma a minha reputação e é um exemplo muito claro de walk the talk, que também acredito ter sido muito relevante para construção dessa imagem de investidora do clima.
Como as empresas estão vendo este momento de transição para uma nova economia?
Há duas vertentes de empresas: as que entenderam que a questão de clima virou um risco – basta ver o que ocorreu no Rio Grande do Sul, onde as enchentes causaram prejuízos fenomenais – e as que percebem oportunidades. E o tamanho da oportunidade é muito maior do que pensamos. As empresas do aço, por exemplo, teoricamente não têm nada a ver com transição energética, mas cada vez mais procuram formas de fazer aço verde. E há muitos exemplos. Além disso, é preciso entender que o carbono emitido vai passar a ter um custo a qualquer momento. Basicamente, todos os setores da economia vão ser impactados. Por isso, é fundamental preparar-se. A questão é um pouco sobre a velocidade do impacto, do risco e das oportunidades e o posicionamento em relação a isso.
As empresas estão preparadas para conseguir conjugar essas velocidades ou é ainda um grande desafio?
Estamos melhor do que estávamos antes, mas, quando eu participo das conversas de negócio aqui e lá fora, são muito diferentes.
“A iniciativa privada tem de se posicionar lá fora, como construtora de soluções ganha-ganha, e, também, internamente, perante o governo, naquilo que precisa de política pública, com uma visão de país e não de curto prazo.”
Mesmo entre as grandes empresas?
Sim. Todo mundo já entendeu a questão dos riscos climáticos, mas existe ainda um pouco de paralisia, porque muitos desses problemas têm um nível de complexidade alto e nem todas as oportunidades são comercialmente viáveis. Algumas empresas estão atuando muito bem, mas, como comunidade empresarial, ainda não entendemos o tamanho da oportunidade. E também não nos posicionamos lá fora. Aliás, nós temos um problema imenso de posicionamento e de reputação. Não um problema só do governo, na medida em que os governos vão mudando, é um problema que nós, como sociedade civil e como empresariado, precisamos nos apropriar.
Mas há instituições e movimentos trabalhando nesta linha, não?
Há vários movimentos, principalmente vinculados à política pública brasileira, instituições e organizações não-governamentais que têm feito esse papel. O que falta hoje é o lado da iniciativa do capital privado ter essa visão mais de longo prazo. Na sua origem, o Brazil Climate Summit já se propunha a mostrar a riqueza do país em tudo o que é necessário para a transição. Nos demos conta de que não basta apenas posicionar o Brasil. É preciso criar condições para um diálogo, para entender o que determinados países precisam, compreender os obstáculos e construir soluções com aquilo que temos a oferecer. Criamos, então, o Brasil Climate Institute, uma plataforma para construir pontes entre o país e outras localidades a partir da iniciativa privada.
“Se tivéssemos que cuidar da marca Brasil, e, partindo do pressuposto que clima é dos grandes atributos e diferenciais competitivos dessa marca, o que nós, brasileiros, estamos fazendo conjuntamente, para fazer com que a reputação deste ente melhore?”
Há estimativa em valor de negócio fechado a partir dessa inciativa?
Não temos essa métrica. Mas, em termos mundiais, a projeção em relação à transição do clima é que serão necessários na economia global, nas próximas três décadas, aproximadamente US$ 150 trilhões, dos quais, 70%-80% deverão ser de capital privado. No Brasil, a estimativa é de algo em torno US$ 2 trilhões a US$ 5 trilhões, nesse período. Então, o tamanho da oportunidade, o tamanho do investimento é muito grande.
Individualmente, como as empresas podem utilizar essas oportunidades trazidas pelo clima e podem alavancar a própria reputação?
Cada vez mais, não cuidar do aspecto sustentabilidade traz manchas na reputação de empresas. As medidas necessárias são uma exigência do mercado de capitais e dos consumidores. Eu não tenho dúvida, que, sob o ponto de vista de reputação, zelar para que as práticas ESG estejam adequadas é uma condição sine qua non. Agora, em relação à oportunidade, o mercado lá fora não está disposto a pagar prêmio verde, mas tampouco quer comprar o que não é verde e sustentável.
Ainda há uma certa divisão em relação aos benefícios do EGS: alguns líderes dizem que não tem mais volta, outros que o custo é alto. Qual a sua avaliação?
A discussão de ESG está um pouco truncada. ESG é um conjunto de processos que fazem a empresa observar temas de governança, ambientais e sociais, a partir das regras legais e do entendimento de seu papel na sociedade. O fato de as economias estarem transacionando para os modelos de baixo carbono é outra questão e tem menos a ver com o papel das empresas do ponto de vista de conscientização. Está relacionado a tendências de mercado, oportunidades e risco para os negócios. Então, é importante fazer esta distinção, que já está ocorrendo no Exterior.
Essa é a visão do investidor?
O investidor vê que a perspectiva de riscos e oportunidades para uma economia de baixo carbono é obrigatória. Por quê? São os rios secando, então não se consegue fazer logística; são os desastres, cada vez mais frequentes, então não é possível fazer seguro. Por exemplo, seria um erro uma empresa aérea ignorar a tendência de que terá de usar combustível sustentável de aviação. Assim como está em risco o negócio de uma empresa de plástico virgem cujos clientes em breve terão que usar 50% de conteúdo reciclado nas embalagens. Então, não tem como não olhar para a economia de baixo carbono como risco e como oportunidade. Tem a ver com o modelo de negócio. Como é que o investidor vê ESG? Como uma regra, como se faz due diligence em fundos.
“O investidor espera que você seja uma ativista de ESG? Não. O investidor espera que você olhe para a temática de transição para uma economia de baixo carbono sob a perspectiva de risco e matriz de risco e sob a perspectiva de oportunidade no core de sua atividade fim.”
Qual é a importância para a reputação das empresas brasileiras a realização da COP 30 no Brasil?
A COP 30 vai trazer luz para as oportunidades que têm no Brasil. Sob a perspectiva de marco histórico, o evento ocorrer no Brasil per se já é relevante, pois o movimento das COPs se iniciou no país em 1992. Além disso, serão reavaliadas as NDCs (sigla em inglês para Contribuição Nacional Determinada, que define a redução da emissão de gases de efeito estufa dos países) e as metas a serem cumpridas no futuro. Do ponto de vista de reputação, mostra um total alinhamento com as tendências de mercado e os movimentos globais. Se o elemento de clima é central dos negócios e o principal evento do tema está ocorrendo no seu país, como você não está presente, como você não é ativo nesta discussão? Então, reputacionalmente, é a forma de construir posicionamento no Brasil e para fora.
E, de maneira prática, como as empresas poderiam aproveitar esse momento para alavancar a reputação?
Tem que aproveitar este momento da COP 30 para fazer um grande road show no Brasil sobre suas potencialidades. É preciso lembrar que nós é que sempre fomos para fora. Desta vez, serão os gringos que virão. Por isso, como país e empresas, temos que criar uma estratégia de comunicação com a linguagem e o viés deles. Não adianta contarmos as nossas necessidades com a nossa narrativa e a nossa visão; precisamos fazer um exercício para entender o que o mundo está vivendo, o que espera e quer resolver para oferecemos essa solução de uma forma muito prática. Além disso, é importante participar na parte de business da COP 30, fazer uma jornada de conscientização com os stakeholders da relevância e da oportunidade do evento.
Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
Christianne.schmitt@ankreputation.com.br