Reputação no board #3
Conselheira de empresas familiares e de capital aberto nos setores de energia, varejo e agronegócio, Leila Loria tem uma perspectiva abrangente sobre a atuação desses colegiados e nenhuma dúvida sobre qual deve ser o ponto focal das organizações quando se trata de construção e manutenção de reputação: as pessoas. Atualmente, Leila contribui para os conselhos de Assaí Atacadista, Pernambucanas e Moinhos Anaconda e, até este ano, participou dos boards da Copel, empresa de energia do Paraná privatizada em agosto, e da JBS.
Terceira entrevistada da série Reputação no board, Leila elenca, entre os desafios dos conselhos, a integração entre gestão e colegiado e um maior entendimento sobre as inter-relações dos riscos nas organizações. Com transparência, também aborda questões como a necessidade de não só se ampliar a diversidade, como tornar a inclusão efetiva nos conselhos, e o dilema de combinar projetos de longo prazo com mandatos curtos. Também defende que o board abarque componentes que já tenham vivenciado crises em sua jornada corporativa. Confira, a seguir, os principais trechos da conversa:
“A gestão de risco das companhias se tornou muito complexa”
As agendas ficaram mais complexas, e um mundo mais dinâmico e de mais incerteza exige uma atuação mais flexível e mudanças rápidas. É um desafio que eu e a maioria dos conselheiros vivem. Do ponto de vista prático, montar a pauta do conselho é outro desafio, pois é preciso agregar itens de longo prazo e, muitas vezes, de difícil discussão – como mudanças climáticas – e de dia a dia, de resultado, que são mais comuns. Além disso, a gestão de risco das companhias se tornou muito complexa, porque os riscos são reputacionais, regulatórios, financeiros. E, entre os mais relevantes, o último desafio é alcançar o ponto de equilíbrio entre conselho e equipe de gestão. Na pandemia, houve uma integração maior. Agora, precisamos achar um outro tipo de equilíbrio, porque não dá para ficar tão distante do negócio como ficavam alguns conselhos.
“Cada vez mais o risco reputacional atravessa a organização, mas poucos conselhos o discutem com profundidade”
A gente está entendendo cada vez mais que o risco reputacional atravessa a organização. Até porque, o risco cibernético vira um risco reputacional, o risco de racismo é um risco reputacional, o risco financeiro se transforma em risco reputacional. Então, a análise dos riscos tem que ser integrada, mas poucos conselhos discutem isso com profundidade. A discussão acontece mais nos momentos de crise, nas situações em que a reputação está sendo atingida. Em pesquisa da WCD (Women Corporate Directors), publicada em outubro, 28% das consultadas responderam que temas relacionados a riscos reputacionais são levantados com alta frequência nos comitês ou conselhos em que participam. Ou seja, não é a maioria. Entender as inter-relações entre os vários riscos, inclusive o reputacional, é às vezes difícil para o conselho. Quando entra uma crise, aí para tudo, vira gestão de crise, e a reputação passa a ser o tema principal. Mas acho que vai ser uma situação cada vez mais frequente nos conselhos, diante de tantos riscos reputacionais como os que vêm das redes sociais e dos ataques cibernéticos, por exemplo.
“Reputação junto aos investidores, aos consumidores e aos colaboradores entra na pauta regularmente”
Regularmente, a pauta do conselho discute reputação dentro da organização em relação a, pelo menos, três stakeholders, que são:
- Investidores, porque a reputação junto aos investidores impacta diretamente o valor da companhia.
- Consumidores, pois é fundamental para o business e é maior a preocupação em consumir de empresas com práticas responsáveis.
- Colaboradores, porque ter colaboradores falando bem da empresa na rede não tem preço. Além disso, hoje não é mais a empresa que escolhe o colaborador, é o colaborador que escolhe a empresa na qual quer trabalhar e sai dela se acreditar que seus valores não são mais atendidos.
“Dos nichos que impactam a reputação, o dos colaboradores é enorme, porque pode dificultar o atingimento dos resultados da empresa”
Olhando para todas as empresas, de capital aberto e fechado, grande e pequena, o desafio dos colaboradores, para mim, é o maior. Hoje, várias gerações convivem na empresa, e o nível de demanda é diferente. Não tem sido fácil reter esses colaboradores. Não tenho dúvida de dizer que o nicho dos colaboradores, de todos esses que impactam a reputação, é enorme, porque pode dificultar o atingimento dos resultados da empresa.
É bom para reputação ter pessoas no conselho que passaram por alguma crise
“A diversidade vai além de gênero e raça, é cognitiva”
A primeira coisa que precisa ter no conselho é a diversidade. E a diversidade vai além de gênero e raça, é uma diversidade cognitiva, de visão de mundo. Uma composição boa tanto para a reputação quanto para todos os temas é feita de pessoas diferentes, com diferentes perspectivas dentro de um conselho. Além disso, é importante ter no conselho pessoas que passaram por alguma crise.
As pessoas aprendem a dar mais valor à reputação quando vivenciaram algum problema relacionado a isso (no negócio). Eu, por exemplo, era VP na Telefônica, quando o Speedy (serviço de internet de banda larga) saiu do ar, uma pane no estado de São Paulo. Foi há 12 anos e gerou uma crise de reputação. Quem viveu isso, adquiriu uma experiência. É bom ter gente que tenha vivido situações de gestão de negócio boas e ruins e que possa agregá-las numa discussão dentro do conselho.
“Diversidade não resolve, ajuda”
Hoje, não tem 20% de mulheres nos conselhos. Tem muito discurso e pouca prática, não só sobre diversidade nos conselhos, mas nas empresas. A diversidade não resolve, ajuda. É o primeiro passo. Mas tem que ter o ambiente inclusivo. Não adianta chamar para a festa e não chamar para dançar. Se uma mulher que entra no conselho é interrompida o tempo inteiro, não resolve. O conselho é um colegiado. O conselho tem que ter esse ambiente inclusivo para que todos possam opinar.
“Tem gente que acha que o comitê tira a responsabilidade do conselho. Não tira”
Os comitês assumiram uma importância crescente. Eu sou fã dos comitês. Tem gente que acha que o comitê tira a responsabilidade do conselho. Não tira, na minha opinião. Ele ajuda o conselho a tomar decisões mais pensadas, aprofundadas e analisadas. Se não houvesse esses comitês, não sei como estaria a agenda do conselho.
Às vezes, um conselho com menos talentos individuais, mas com talento coletivo mais alto, consegue ter uma boa dinâmica
“Se o conselho não dá química, não consegue operar de forma eficiente”
“Conselho tem que garantir que não haja deslize na administração”
Hoje, mais do que a experiência anterior, a vivência e a formação, as essential skills são mais importantes para o sucesso de um conselho. Às vezes, um conselho é composto só com feras, com todas as formações, mas, se não dá a química e não tem uma boa dinâmica, se os egos entram junto na reunião, o conselho não consegue operar de forma eficiente. Por quê? Porque cada um quer impor a sua ideia, cada um quer fazer com que o seu projeto seja aprovado. Então, a parte comportamental é fundamental. Eu mencionei a diversidade, o ambiente inclusivo, mas eu cito muito e, cada vez mais, a parte comportamental do conselheiro. Às vezes, um conselho com menos talentos individuais, mas com talento coletivo mais alto, consegue ter uma boa dinâmica de discussão, respeito e interações entre uma reunião do conselho e outra.
Nesses últimos anos, discutimos muito as pautas ESG, de sustentabilidade, de mudança climática, de colaboradores. E, talvez, os conselhos tenham dedicado menos tempo aos controles. Os riscos complexos que foram surgindo também podem, quem sabe, não terem sido devidamente acompanhados pelo conselho e pelos comitês. Tem que ter equilíbrio. Conselho tem que que fazer planejamento estratégico, sustentabilidade, governança, cuidar das pessoas e, ao mesmo tempo, manter os controles da companhia, a gestão de riscos e garantir que não haja nenhum desvio, nenhum deslize na administração. Esse é um enorme desafio que, depois da Lojas Americanas, a gente tem refletido mais ainda. Eu acho que faltou transparência, mas aí tem os valores, né? E quando não tem os valores, não tem essa gestão participativa, não tem ambiente inclusivo.
“Desafio: conselho tem tendência para olhar longo prazo, mas tem mandato curto”
A tendência é que o CEO e os seus executivos olhem mais para o curto prazo. Os conselheiros, por outro lado, têm que pensar hoje e programar atividades que vão ter um retorno quando eles não estiverem mais no conselho, daqui cinco ou 10 anos. Então, esse é outro desafio de longo e curto prazos. Apesar de o conselho tender a olhar para o longo prazo, o conselheiro tem mandato curto e quer realizar no período em que está no conselho. Cabe a ele, no entanto, trazer a gestão para a visão do longo prazo e estabelecer indicadores. Muitas empresas já fazem com que os incentivos de longo prazo representem mais na remuneração total dos executivos, o que é um caminho para essa perspectiva.
Mais sobre Leila Loria
Antes de estrear nos conselhos de administração em 2015, Leila Loria percorreu a trilha executiva em companhias como Walmart, Grupo Abril e Telefônica, entre outras. Hoje, está em conselhos de administração, conselhos consultivos, comitês de auditoria e de pessoas. Foi presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), de abril de 2021 a março de 2022, e é co-chair do Women Corporate Director no Brasil (WCD Brasil). Como conselheira, diz que seu principal desafio pessoal é como ela pode contribuir para cada conselho especificamente. “Eu tenho esta reflexão o tempo todo, e a minha contribuição depende muito do momento da empresa e do que a organização precisa naquele momento”, afirma.
Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
christianne.schmitt@ankreputation.com.br
- Na próxima entrevista da série Reputação no board: Osvaldo Schirmer, conselheiro de empresas como Lojas Renner, SCL e Yduqs (ex-Estácio)
E clique para ler ou revisitar:
Reputação no board#1, com José Monforte
Reputação no board#2, com Dan Ioschpe