Rogério Melzi: “Precisamos trabalhar a reputação nos anos de bonança”

Conselheiro e gestor de empresas de áreas fundamentais, como educação e saúde, fala sobre as perspectivas em um cenário econômico adverso e em um momento de polarização Christianne Schmitt e Lucia Ritzel

“As críticas não são crises, mas podem virar uma crise”, diz Melzi, sobre a importância de ter confiança e credibilidade junto aos stakeholders – Fotos: Gladstone Campos / Especial RF

Estar à frente de organizações de alto impacto em meio à escalada da Covid-19 foi um desafio sem precedentes, sobretudo para gestores que estiveram no epicentro da pandemia. O Reputation Feed entrevistou Rogério Melzi, um desses líderes para abordar as perspectivas para 2023 sob a luz da reputação e a sua contribuição para as empresas, a economia e a sociedade.

Com capacidade de transitar por diferentes setores, em especial os essenciais, como educação, além de saúde, Melzi vivenciou os piores momentos da crise sanitária de dentro de hospitais, então como diretor- presidente do Hospital Care, holding administradora de serviços de saúde de gestão integrada que atua em diversas cidades do país.

Hoje, Melzi contribui como conselheiro da Hospital Care, da Cyrela, e da +A Educação. Nesta entrevista conta como enfrentou a pandemia e o impacto na reputação dos serviços que comandava, o que pensa sobre posicionamento de líderes e de empresas nesses tempos de redes sociais e como ESG está na pauta dos conselhos, entre outros temas:

“Se (reputação) não pode ser um ativo em determinados momentos, pode pelo menos proteger de coisas inevitáveis do dia a dia de uma operação. Antes que você seja condenado, crucificado ou cancelado, os seus stakeholders podem falar por você quando acontece alguma coisa que sai do seu controle.”

Quais são os desafios para 2023 e como a reputação pode ajudar as empresas neste cenário?

Temos de dividir os desafios em pelo menos duas categorias. Um lado econômico complicado e uma polarização que não é trivial. Há também expectativa de que, cada vez mais, as empresas se posicionem diante de coisas que talvez elas não devessem se posicionar. Para piorar, há uma confusão crescente entre a pessoa física e a pessoa jurídica. É uma panela de pressão sem limites. Nesse contexto, a reputação, no mínimo, é uma blindagem. Se (reputação) não pode ser um ativo em determinados momentos, pode pelo menos proteger de coisas que tendem a ser inevitáveis, incidentes normais do dia a dia de uma operação. Antes que você seja condenado, crucificado ou cancelado, os seus stakeholders podem falar por você quando alguma coisa sai do seu controle.

“A empresa que consegue ficar à margem de questões controversas tende a ser mais vitoriosa porque pode focar nos seus atributos”

Como as empresas devem lidar com a expectativa dos stakeholders por posicionamento sobre temas, muitas vezes polêmicos, da sociedade?

Idealmente, a empresa que consegue ficar à margem de questões controversas tende a ser mais vitoriosa porque pode focar nos seus atributos, no que faz de bom para a sociedade. Ao mesmo tempo, existem valores universais que todos devem defender. Com racismo, não há que haver tolerância. E não adianta falar, tem que viver isso intensamente. Se você viver intensamente uma cultura organizacional que não tolera racismo, você não precisará falar, porque os outros vão falar por você: seus funcionários, seus clientes, as pessoas que interagem com você. E agora estamos vendo uma nova complexidade na figura do empresário. Por mais que todo mundo tenha direito a uma vida pessoal, o quanto do que se faz na pessoa física vai ser transferido para as marcas às quais a pessoa representa? Até os próprios consumidores estão aprendendo como lidar com tudo isso, porque não é possível que se queira passar a vida pesquisando se determinado empresário prefere A ou B para saber se deve comprar ou não o produto da empresa a qual ele está vinculado. Entendo que no caso da empresa é diferente. Quando a empresa se posiciona, ela engaja a sociedade. Aí, sim, o consumidor tem de fazer o seu juízo.

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Pensando na sua trajetória nas áreas de saúde e educação, por exemplo, você considerou a reputação como um ativo a ser cuidado?

Venho trabalhando há bastante tempo uma ideia de equilíbrio de stakeholders. Na pandemia, por exemplo, eu que trabalhava com saúde, não dava para pensar em resultados financeiros nem em acionistas, sobretudo na área da saúde. A balança era totalmente para o lado assistencial. Mas isso não pode durar para sempre. Em algum momento, o equilíbrio tem de ser restabelecido. E é preciso saber explicar para as pessoas. A gente precisa saber falar sobre essas coisas da forma mais transparente possível.

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“Naquele momento, a gente conseguiu manter um diálogo aberto com os alunos. E eu só podia fazer aquilo porque a gente tinha passado os anos de bonança construindo uma boa reputação da marca e das pessoas que lideravam através das nossas ações.”

É possível elencar nesta trajetória alguns pontos de reputação que contribuíram para alavancar os negócios?

Posso falar da minha experiência no setor de educação, que foi muito afetado na crise de 2014, quando o governo cortou o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil, programa do Ministério da Educação destinado a financiar a educação superior). Os alunos tiveram dificuldades, e as empresas de educação, precisaram se pronunciar. Naquele momento, a gente conseguiu usar da credibilidade que havia sido desenvolvida com esses stakeholders, alunos, professores e até mesmo dos agentes públicos. A gente conseguiu manter um diálogo aberto com os alunos. Eu falava com os alunos, gravava vídeos explicando o que e como fazer e também como tentávamos resolver a situação. E eu só podia fazer aquilo porque a gente tinha passado os anos de bonança construindo uma boa reputação, da marca e das pessoas que lideravam através das nossas ações. Esse exemplo é muito vivo e envolvia milhares de pessoas.

“Quando um stakeholder sai publicamente em sua defesa é muito bom. Isso é a coisa mais maravilhosa que pode acontecer quando o assunto é reputação”

E qual foi o aprendizado?

Ali ficou provado que precisamos trabalhar a reputação nos anos de bonança. Na hora que acontece um problema, e geralmente ele acontece no pior momento, o seu cliente, o seu pool de colaboradores e os acionistas sempre estarão lá. Quando um stakeholder sai publicamente em sua defesa é muito bom. As críticas não são crises, mas podem afetar você e virar uma crise. Então, quando você tem um episódio infeliz, e isso é relatado publicamente, o seu público vai defender você. Isso é a coisa mais maravilhosa que pode acontecer quando o assunto é reputação. Ainda que a empresa tenha que se posicionar, e quase sempre vai ter que se posicionar, ela sai muito fortalecida nisso.   

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A gente não poupou recursos. Isso é exemplo. Qual o resultado? Vários dos nossos hospitais ganharam prêmios das suas cidades pela sua ação durante a pandemia.”

Na pandemia, no ponto de vista reputacional, quais foram os aprendizados? Ali, todo mundo entrou numa situação de extrema vulnerabilidade e você estava na linha de frente. O que ficou de aprendizado?

Pensando em saúde, eu vivi a pandemia em hospitais, sem ser médico. Em nenhum dia eu deixei de trabalhar, não tive Covid e fui a todos hospitais. Essa era uma crise fora do padrão. A gente fez mágica, tínhamos muita estrutura. Eram 12 hospitais de primeira linha (em 2020-21). Num momento, disse para o diretor financeiro: ‘só não pode quebrar’. Os acionistas entenderam. Naqueles meses, principalmente na segunda onda, a gente não poupou recursos. Isso é exemplo. Qual o resultado? Vários dos nossos hospitais ganharam prêmios das suas cidades pela sua ação durante a pandemia. Essas grandes crises são comparadas a uma guerra. Você tem a grande oportunidade de fazer a diferença com coragem. Essa conta é grande, porque leva muitos meses, anos, para reequilibrar do ponto de vista econômico. No longo prazo, é muito bom para você.

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“Sucesso vai vir da forma que você engajar os seus públicos”

Essa decisão de escolher o longo prazo é que é positiva?

Na imensa maioria das vezes, o sucesso vai vir da qualidade da gestão, da estratégia, do posicionamento, mas vai vir da forma que você engajar os seus públicos. No longo prazo, é possível mostrar com clareza que, em determinados momentos, precisamos estar mais focados num público e, em outros, em stakeholders diferentes. Isso gera uma credibilidade, que permite, em momentos de paz, estar bem com a maioria dos seus públicos. Esse é o papel da gestão. Mas, se você vive num ambiente de curto prazo, e você não tem um lastro de investidores e sócios controladores, é muito difícil, e acaba tomando decisões que privilegiam demais um determinado público. Para mim, a sustentabilidade é amiga do longo prazo, tem dificuldade no curto prazo.

O quanto reputação está na pauta dos conselhos e, qual é o papel do conselho para construir e preservar a reputação da empresa?

Na pauta dos conselhos, está mais o ESG. Alguns, encampam. Outros, como a Natura, que foi pioneira, fizeram disso uma vantagem. E ainda há os que vão fazer porque têm de fazer. O que eu chamo de reputação é mais amplo, é muito mais forte quando tem a preocupação de um fundador ou de uma segunda geração em preservar um legado, uma história, e não deixar para trás as conquistas. É mais forte do que quando você tem um investidor financeiro ou capitalista ou quando você já foi para a bolsa e deixou pulverizar.

Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed e Lucia Ritzel é jornalista, consultora sr. e head de Conteúdo da ANK Reputation

christianne.schmitt@ankreputation.com.br
lucia.ritzel@ankreputation.com.br

• Clique aqui para ler as entrevistas com:
Pedro Parente, cofundador e sócio da eB Capital
Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração da Magazine Luiza


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Confira a opinião de quem já leu este conteúdo:

(2 comentários)
  1. Lucia Maria Panezi Zimmermann

    , comentou

    Excelentes entrevistas! Parabéns!

  2. Luiz Gaulia

    , comentou

    Rogério Melzi é um líder comunicador e um exemplo de gestor. Muito boa entrevista.