“Reputação facilita diálogo e abre portas”, diz Celso Kiperman, executive chairman da +A Educação

Empresário conta sobre os desafios de assumir a presidência executiva do Conselho de Administração

Christianne Schmitt

“Tendo mais isenção e distanciamento, consigo organizar melhor as pautas do Conselho. A ideia é que o Conselho nos ajude efetivamente na construção de valor da empresa”, diz Celso, que deixou a posição de CEO para assumir a presidência executiva do board, em março – Fotos: Júlio Cordeiro / Especial Reputation Feed


“Na essência, somos uma empresa de parceria, que trabalha em mercados específicos, em que a reputação é muito importante.”

Um dos movimentos mais emblemáticos de empreendedores de empresas de origem familiar, a troca de cadeira de CEO para a de presidente do Conselho, representa decisão relevante na governança da organização e tem efeito significativo na vida e na rotina do líder. Passo que requer planejamento, critérios claros e bem definidos, transparência, delimitação de responsabilidades, entre tantos outros elementos, esse tipo de transição exige cuidado com as boas práticas e a gestão de reputação.

Para trazer alguns aspectos desse movimento, como a repercussão nos negócios e na cultura da organização, o Reputation Feed buscou Celso Kiperman, executive charmain da editora de livros técnicos e edtech +A Educação, desde março de 2023. Bom contador de histórias, além de líder apaixonado pelo que faz, narra a sua própria trajetória como protagonista da transição no grupo fundado pelo pai, Henrique Leão Kiperman, que começou vendendo livros no porta-malas do carro e depois criou uma editora, em Porto Alegre, então chamada Artes Médicas, mais tarde, Artmed, uma referência em publicações nas áreas de medicina, psicologia, educação, administração, engenharia, arquitetura, entre outras.

“As duas principais mudanças foram passar a ouvir mais do que falar e, principalmente, perguntar ao invés de opinar. Para mim, o que pesou foi o dilema pessoal: o quanto eu sentiria falta da liberdade de decisão, de ação. Como pessoa física, estou me adaptando. É um crescimento, uma evolução. Para a empresa, é melhor”, diz Celso, depois de 40 anos exercendo funções executivas e 15 anos como CEO do grupo, que já publicou mais 4 mil títulos, atinge 3 milhões de alunos no mercado de educação superior e fornece soluções tecnológicas e de conteúdo a quase 500 universidades no Brasil. “Toda a reputação que a gente construiu, e que está materializada nas nossas publicações e nos nossos selos editoriais, nos facilita enormemente o diálogo e abre portas. Nessas prateleiras, de alguma maneira, essa reputação está materializada. Tem um negócio feito com muito carinho e é bem-percebido”, afirma.

A seguir, acompanhe os trechos da entrevista:

DECISÃO SOLITÁRIA, MAS RESPALDADA

“A decisão foi solitária, mas, no momento que a manifestei para a minha irmã (Adriane Kiperman), ela não só apoiou, como se juntou a mim e disse: ‘quero deixar a minha posição de executiva e me concentrar na minha posição do conselho’. E o que a gente fez? A gente criou comitês nos dois níveis: executivos e operacionais. A Adriane, que era responsável pela nossa parte editorial, participa agora do Comitê de Conteúdo e da escolha do que talvez seja a parte mais vital: os títulos. Ela continua à frente do processo, mas não mais com responsabilidades executivas.”

A TRANSIÇÃO

“Nós já tínhamos feito uma mudança de organograma, há dois anos, em que o atual CEO, o Luiz Trivelato, ocupava a posição de COO, e os negócios já estavam com ele. RH, Tecnologia e Finanças se reportavam a mim, mas os negócios – o que mais gosto – estavam subordinados a ele. Eu também me dei conta de que, para a governança da empresa, seria melhor esse movimento (de deixar de acumular os cargos de CEO e de presidente do Conselho). O papel em que eu estava tinha algum conflito de interesses, porque sempre preponderava a minha visão e o meu papel de executivo. O meu maior interesse é enquanto acionista. Agora, tendo mais isenção e distanciamento, consigo organizar melhor as pautas do Conselho. A ideia é que o Conselho nos ajude efetivamente na construção de valor da empresa.”

“Os funcionários não viam a possibilidade de atingir a posição de número 1. Este movimento abre uma possibilidade.”

EFEITOS DA MUDANÇA

“As duas principais mudanças foram passar a ouvir mais do que falar e, principalmente, perguntar ao invés de opinar. Para mim, o que pesou foi o dilema pessoal: o quanto eu sentiria falta da liberdade de decisão, de ação. Como pessoa física, estou me adaptando. É um crescimento, uma evolução. Para a empresa, é melhor. O que aconteceu aqui? Imediatamente, eu senti um sopro de oxigenação e renovação. A empresa tem 50 anos, foi fundada pelo meu pai (Henrique Kiperman), comecei a trabalhar 40 anos atrás. No começo dos anos 2000, eu já era o principal líder da empresa. E hoje a gente tem quase mil funcionários. Acho que os funcionários não viam esta possibilidade de fazer carreira aqui e atingir a posição de número 1. Este movimento dá uma motivação e abre uma possibilidade.”

Atribuições do executive chairman:

  • Guardião de cultura, princípios e valores;
  • Orientação das pautas do Conselho de Administração e interlocução entre acionistas, conselheiros e executivos;
  • Participação em comitês;
  • Relações institucionais;
  • Mapeamento de oportunidades estratégicas

“Como militamos há anos na área da educação, os selos editoriais acabam dando credibilidade e segurança para os nossos interlocutores. Em todas as nossas abordagens, nosso background de editor é muito importante, nos estabelece as pontes, nos estreita os caminhos, diminui as resistências.”

REPUTAÇÃO NA ESSÊNCIA

“Temos 2,2 mil livros ativos e já publicamos 4,5 mil livros, que significam 4,5 mil contratos e, às vezes, com múltiplos autores (fala mirando os milhares de exemplares dispostos nas altas prateleiras da ampla sala de reuniões da sede da +A Educação). Na essência, somos uma empresa de parceria, que trabalha em mercados específicos, em que a reputação é muito importante. Estamos muito fortes em conteúdo e tecnologia. Como militamos há muitos anos na área da educação, os selos editoriais acabam dando credibilidade e segurança para os nossos interlocutores. Em todas as nossas abordagens, esse nosso background de editor é muito importante, nos estabelece as pontes, nos estreita os caminhos, diminui as resistências, as objeções, dá mais tranquilidade para as pessoas. A gente trata com pessoas expoentes em suas áreas de atuação. Fomos conquistando um trabalho ao longo dos anos. Toda a reputação que a gente construiu, e que está materializada nas nossas publicações e nos nossos selos editoriais, nos facilita enormemente o diálogo e abre portas, como, em um exemplo recente, a parceira com as universidades. Nessas prateleiras, de alguma maneira, essa reputação está materializada. Tem um negócio feito com muito carinho e é bem-percebido.”

“(A compra da operação da McGraw Hill no Brasil) foi importante porque consolidou o nosso negócio editorial e nos abriu uma outra perspectiva.”

SONHO E CONSOLIDAÇÃO

“Em 2009, a gente teve o aporte do BNDESpar, e, no fim, surgiu a oportunidade incrível com a McGraw Hill, que, na época, era uma das três maiores editoras do mundo, e, devido à crise de 2008, resolveu desinvestir no Brasil. E conseguimos comprar a operação deles no país. Isso foi um sonho. Meu pai, que começou vendendo livros da McGraw Hill no porta-malas do carro, de alguma maneira, se tornou o dono da McGraw Hill no Brasil. Há um vídeo em que meu pai dá um depoimento: ‘Estou me sentindo como um cientista que ganhou um Prêmio Nobel’. Para ele, foi o ápice da carreira. Isso foi importante porque consolidou o nosso negócio editorial e nos abriu uma outra perspectiva.”

NOVAS PERSPECTIVAS

“Na condição de parceiros da McGraw Hill, nós passamos a frequentar as convenções de venda deles nos EUA. Na segunda convenção que participei, o keynote speaker era o criador da Blackboard, Michael Chasen. Acabou a fala, eu fui falar com ele. Até aquele ponto, nós já tínhamos um bom relacionamento com o corpo docente das universidades e pensei que, com a Blackboard, haveria um caminho para pavimentarmos uma via até as universidades. Ali também teve a questão da reputação: eu era o parceiro da McGraw Hill, então, uma empresa muito maior que a Blackboard, na época, com faturamento de US$ 800 milhões. A McGraw Hill era empresa de US$ 2 bi de faturamento. A gente teve um pouco de sorte. Era 2010, a Blackboard era a maior plataforma do mundo, e, aqui no Brasil, a educação superior estava se profissionalizando e se consolidando. Quando o negócio se estabeleceu, a gente fez a aquisição de uma startup, de Santa Maria, que trabalhava com educação online. Rapidamente, conseguimos ter uma política de preços adequada e começamos a ter bastante sucesso com a Blackboard. Aí começou esta nova jornada B2B junto a universidades. As instituições adquiriam o LMS, ambiente virtual de aprendizagem da Blackboard, mas ambiente virtual de aprendizagem é infraestrutura, e elas precisavam de conteúdo. Conteúdo sempre foi nossa vocação e criamos uma plataforma de conteúdo.”

“Fomos agregando produtos e iniciativas com outras empresas.”

A ESCALADA

“Fomos agregando produtos e iniciativas no portfólio com outras empresas. Pensamos em tornar o negócio mais complexo, essas parcerias estratégicas, usando experiências acumuladas disponibilizando a plataforma (a edtech). Tínhamos toda a expertise em desenvolver conteúdo e conhecimento e experiência na venda dos programas de educação continuada. Hoje, impactamos, diretamente, com as novas soluções, e, também, com a nossa biblioteca digital, 3 milhões de alunos no mercado de educação superior no Brasil. Fornecemos soluções para quase 500 universidades.”

“A parceria com a multinacional foi importante. Criamos uma expertise de acesso ao mercado que não tínhamos.”

OS APRENDIZADOS

“Nesta ânsia de nos tornarmos uma empresa de educação, investimos em uma empresa de preparatórios para concursos e numa outra empresa voltada para o mercado agrícola, que não funcionaram. Algumas iniciativas foram frustradas, um pouco tentativa e erro.”

“Depois de mais de 10 anos de parceria com a Blackboard, iniciada em 2010, estamos fazendo um distratro porque temos a nossa tecnologia. A parceria foi importante. Éramos uma empresa que não sabia vender soluções, e eles nos treinaram em solution selling, sales force e inside sales. Criamos uma expertise de acesso a mercado que não tínhamos. A gente tem muita gratidão por todos esses aprendizados.”

“Ele (Henrique Kiperman) tinha essa coisa do espírito empreendedor, fazer algo bem-feito, muito cuidado com todos os detalhes.”

O EXEMPLO DO PAI

“O pai era uma figura curiosa. Ele dizia que era um papagaio português, porque falava pouco, mas pensava que era uma loucura. A gente tinha uma relação muito próxima, mas ele era de poucas palavras. Ele nunca me explicou o negócio, mas me botou para trabalhar, e aí eu aprendi. Ele me deu muita autonomia e talvez responsabilidades maiores do que eu tinha condições de assumir naquele momento. Com 18 anos, eu fazia todos os pagamentos da empresa. Eu tinha o cheque da empresa. E o cheque da empresa significava o cheque da família também, porque as finanças se confundiam. Com isso, eu me senti com responsabilidade, confiança para empreender. Sempre fomos muito parceiros, ele tinha essa coisa do espírito empreendedor, fazer algo bem-feito, muito cuidado com todos os detalhes.”

Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
christianne.schmitt@ankreputation.com.br


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(2 comentários)
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    , comentou

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    1. Muito obrigada pela audiência. Esperamos contribuir sempre com artigos e reportagens que disseminem cada vez mais a cultura da reputação corporativa.