“O valor da empresa está intimamente relacionado com a sua reputação. Nós entendemos reputação como ativo e temos todos os cuidados para gerenciar esse ativo com sistemas de monitoramento.”
Miguel Setas está quase sempre com o celular ligado, à exceção dos momentos em que voa pelos céus do país para visitar as operações da CCR. A extrema atenção justifica-se. Na presidência da companhia de concessão de infraestrutura para mobilidade, comanda um grupo de empresas de grande complexidade operacional.
Entre a gestão de rodovias, metrôs, trens, VLT, barcas e aeroportos, são 37 concessões, cerca de 7 mil colaboradores e presença em 13 Estados brasileiros – um combo que impacta, por ano, cerca de 100 milhões de pessoas, o equivalente a metade da população do Brasil. E, como se pode imaginar, convive diariamente com a gestão de múltiplos riscos corporativos e reputacionais.
“A minha premissa é que nós estamos sempre num momento de crise grau zero, de pouca gravidade”, afirma Setas. “É um setor exposto ao risco.” Um aprendizado que desenvolveu na EDP, empresa de energia elétrica internacional onde atuou por 18 anos, foi CEO e presidente do Conselho de Administração no Brasil. Foi ali que o executivo português embarcou, como descreve no seu livro Gigante pela própria Natureza (Gente Editora), em uma jornada venturosa de transformação empresarial e se apaixonou pelo Brasil.
Nesta entrevista exclusiva ao Reputation Feed, Setas fala com muita transparência e clareza sobre estratégias para combater e mitigar riscos e a relevância da gestão da reputação para empresas e líderes. Passa por temas atuais como a necessidade de atenção e monitoramento às redes sociais e de se ter planos de resiliência climática. Também trata sobre o seu maior desafio reputacional até agora no comando da CCR: o processo de transição da concessão das linhas 8 e 9 de trens metropolitanos de São Paulo, quando as operações apresentaram falhas, críticas e investigação do Ministério Público, justamente no período em que estava entrando na companhia, em abril de 2023. E, ao longo da conversa, demonstra, com naturalidade, por que, nos últimos anos, tem sido escolhido pela imprensa especializada, de forma recorrente, como um dos melhores líderes corporativos do país.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A partir de sua experiência em empresas no Brasil e em Portugal, qual a sua percepção sobre como as organizações lidam com reputação aqui e na Europa? É um tema prioritário para CEOs e boards?
Sem dúvida. Nos últimos 10 anos, tivemos momentos de compliance que foram marcantes para a sociedade brasileira, com grandes processos judiciais e muitas empresas impactadas, e que serviram de aceleradores dessa temática. Conselhos, equipes executivas e acionistas passaram a estar sintonizados com a necessidade de gerenciar a reputação de forma profissional, sistemática, que não seja ad hoc, em função das crises. Estou no Brasil desde 2008, e, o que eu vi, ao longo desses 15 anos, foi um grande amadurecimento. Esse momento foi seminal para uma tomada de consciência de que reputação e gestão ética são determinantes para uma organização e para a sua perenidade.
Essa postura é tangível nas empresas ou está restrita ao C-Level, ao board? Os funcionários entendem a importância da reputação?
Muito. Eu tive duas experiências no Brasil: uma numa empresa multinacional (Grupo EDP) e, agora, na CCR, há um ano e meio. Você circula pelos corredores na nossa sede, por exemplo, e vê comunicação dos nossos programas de compliance nas paredes. Mas não é só nas nossas paredes, é no dia a dia. É na prática. O caso da CCR é exemplar na adoção dessa governança.
“Na comunicação, entre aquilo que o emissor diz e o receptor recebe, há uma diferença enorme. Eu tenho um grande cuidado com as palavras para nunca colocar a empresa numa situação desagradável, para não dizer algo deslocado, alguma frase que não seja certa, e não ser bom para a empresa.”
Você pode explicar mais qual a relevância da reputação para a CCR e como a empresa trata este assunto?
A reputação é um dos temas ao qual dedicamos uma parte importante da nossa agenda de gestão, em toda a cadeia de valor, desde políticas de estratégia a políticas para fazer a gestão. O conselho de Administração, por exemplo, é assessorado por vários comitês. Um deles, de auditoria, compliance e risco, faz o monitoramento da nossa estratégia das três barreiras de proteção – gestão de risco, controles internos, compliance, auditoria interna.
Exemplos para monitorar e gerenciar a conformidade:
- Canais de denúncias;
- Instrumentos para registrar contratos com pessoas politicamente expostas ou com algum tipo de conflito de interesses;
- Reportes sobre interações em que conflitos de interesse possam condicionar tomadas de decisão.
Uma barreira é mais preventiva, gestão de risco, e, repito, gestão de risco reputacional é um dos riscos acompanhados. Depois, estão gestão da conformidade e da fiscalização.
A CCR tem uma diretoria para cuidar especificamente da gestão de reputação?
Está interligada nas várias diretorias. Nós temos diretorias de Compliance, de Auditoria Interna e de Gestão de Risco, para cuidar dessas três barreiras de proteção, e uma diretoria de Marca e Comunicação, que atua de forma conjunta e para fazer essa cola. A nossa reputação é gerada nos nossos stakeholders pela forma como a empresa se comunica. Também temos uma diretoria de gestão de stakeholders, que nos ajuda a fazer uma gestão estruturada dos vários públicos em que a companhia atua. Nós servimos 100 milhões de brasileiros. Temos que ser muito responsáveis na maneira como gerenciamos essa casa.
“Fazemos avaliações de reputação que nos dão indicadores: como é que a companhia se posiciona, que tipo de percepções têm que ser corrigidas, o que pode ser um risco mais agudo.”
A CCR convive com múltiplos riscos corporativos, não apenas pelo seu tamanho, mas pelos segmentos em que atua e pela longa cadeia de parceiros e fornecedores. Neste contexto, como é feita a gestão dos riscos reputacionais?
Reputação, antes de ser um risco, é um ativo, ou seja, o valor da empresa está intimamente relacionado com a sua reputação. Mal comparado com o que chamamos a palavra na linguagem comum, pelo menos em Portugal, reputação é o bom nome. Nós entendemos reputação como ativo e temos todos os cuidados para gerenciar esse ativo com sistemas de monitoramento. Fazemos avaliações de reputação que nos dão indicadores: como é que a companhia se posiciona, que tipo de percepções têm que ser corrigidas, o que pode ser para nós um risco mais agudo, como podemos combater essas percepções que podem, eventualmente, prejudicar a nossa reputação. (Fazemos) a gestão dos sistemas que nos ajudam a construir essa reputação.
Quando a CCR considera que está diante de uma crise de imagem?
Nós temos uma política interna de gestão riscos e crise. E as situações de grau de crise são tipificadas: podemos ter uma simples interrupção de serviço, podemos ter uma crise sistêmica, que pode implicar vidas humanas e questões muito estruturantes, que impactam até perenidade da empresa. Nós temos gradações dos níveis de risco. A minha premissa é que nós estamos sempre num momento de crise grau zero. A CCR, pelo seu negócio, está sempre numa crise grau zero, que significa de pouca gravidade.
É um desejo, uma meta?
Não, é um mindset. Por profissão, não posso desligar o meu celular nunca, somente no avião. Estou sempre atento. Pode haver um acidente, pode haver uma interrupção de uma rodovia, pode haver um descarrilamento de um trem. Eu trabalhei 18 anos no setor de energia elétrica e pode ter um apagão, um acidente, uma subseção que pega fogo, uma linha de transmissão derrubada pelo vento, você pode ter muitas coisas. No setor de transporte, acho que ainda é mais agudo. Minha cabeça é acordar de manhã sabendo que alguma coisa pode acontecer.
É um setor vulnerável.
Vulnerável não é a palavra, é um setor exposto ao risco. Pode haver um problema no aeroporto, um risco cibernético, um risco climático que impeça as nossas rodovias. Estou sempre em alerta máximo. O standard é uma crise contida. Vamos ponderando se essa crise de grau zero evolui para grau um, se a de grau um se eleva para grau 2 e, se a de grau 2 sobe para grau máximo. Temos quatro níveis de classificação de crise.
E nesse tempo no qual você está como CEO da companhia qual foi o maior desafio no aspecto reputacional?
O maior desafio foi justamente quando eu estava chegando, em abril de 2023, em relação à concessão das linhas 8 e 9 de trens metropolitanos, em São Paulo, da antiga CPTM. A transição foi dolorosa. Foi um momento de consumir energia na resolução da crise. E assim fizemos. Em poucos meses, conseguimos reequilibrar a prestação de serviços. Hoje, já não se ouve falar desse problema. Fizemos acordos com o Ministério Público e tudo para compensar a sociedade por um serviço que não teve a qualidade necessária naquele momento. Essa foi uma crise de grau elevado. Em nenhum momento foi uma crise que colocasse em risco elevado vidas humanas, porque a nossa companhia tem segurança como fundamental. Mas, reputacionalmente, foi uma crise de um grau muito elevado e que administramos da melhor forma possível.
“Uma parte importante da nossa reputação joga-se nas redes sociais.
O que pode ser uma certa injustiça, porque as redes são muito imediatistas. Um corte, às vezes, fora do contexto marca uma mensagem e você tem que tentar desconstruir aquela narrativa com um pouco mais de trabalho. Mas é assim. Não vale a pena chorar sobre isso. Este é o jogo. Tem que estar adaptado e trabalhar.”
Como a CCR, tão exposta, lida com a questão das redes sociais?
Estamos diariamente em contato e em avaliação contínua dos usuários de redes sociais. Se você pensar, temos 3 milhões de passageiros no metrô, por dia; basta, por exemplo, que haja 1% de pessoas insatisfeitas que usem as redes sociais (para reclamar). Por isso, é um foco de risco. Monitoramos as redes; acompanhamos o que se está dizendo sobre a empresa; sabemos exatamente onde estão os focos de atenção. Mas isso também nos dá uma gestão mais dinâmica. Nós temos a equipe comunicação minuto a minuto (medindo) a temperatura das redes sociais. O que está dizendo, quantas menções, onde, qual pessoa está fazendo comentários e quais são os influenciadores que podem ser detratores ou apoiadores.
A CCR
Empresa de concessão de infraestrutura para mobilidade:
- 37 concessões
- Gestão e manutenção de 3,6 mil km de rodovias, com circulação de cerca de 2,5 milhões de veículos/dia;
- Administração de transporte de passageiros de metrôs, trens, VLT e barcas, com transporte de 3 milhões de pessoas/dia;
- Gestão de 19 aeroportos, atendendo cerca de 40 milhões de usuários/ano;
- Presença em 13 estados brasileiros;
- Mais de 17 mil colaboradores.
Agora, o melhor é não dar razão às dúvidas das redes sociais. Se alguma coisa está pegando, é porque tem que ser, pelo menos, observada. Pode ser um ar-condicionado que não está funcionando num trem, pode ser uma porta com problemas para abrir, pode ser até um chão a ser limpo; são milhares de pontos de contato por dia. Além disso, todos nós, hoje, como clientes, somos cada vez mais exigentes, o nosso padrão subiu. Portanto, isso também é bom, porque sobe a barra. Nós temos que prestar um serviço de excelência e evitar que haja razões para queixa.
Como a empresa está se preparando para os desafios e riscos reputacionais provocados pelos efeitos das mudanças climáticas, já que os segmentos em que atua são altamente atingidos?
O primeiro ponto é uma tomada de consciência. A despeito de o Brasil ser uma potência ecológica, é um dos países que mais será afetado pelas mudanças do clima. Dado isso, pela nossa estratégia, 100% de todos os nossos ativos têm que ter planos de resiliência climática até 2025. E, até 2035, todos têm de estar implementados. Isso passa também por monitoramento. A CCR tem sistemas de monitoramento, com grandes instituições nacionais, para se preparar com equipes de reação para poder atender eventuais impactos. Esses sistemas de alerta nos permitem mobilizar as equipes operacionais para estarmos mais preparados e mobilizados.
Na sua opinião, o quanto os líderes empresariais deveriam se preocupar e construir suas próprias reputações?
Todos nós devemos. Na verdade, acredito que todos nós, executivos e os profissionais no mercado corporativo, quando entramos nas redes sociais, nos comunicamos e nos posicionamos, estamos tentando construir reputação. Essa é uma realidade muito transversal à sociedade.
“Eu gosto muito de ajudar a sociedade a valorizar a sua cultura, a valorizar o seu patrimônio. Isso faz parte do meu propósito de vida também. Sempre consigo isso através da empresa onde trabalho, me realiza e faz bem à empresa, porque constrói a reputação dela.”
Quais são os fatores mais importantes para construir uma reputação forte e positiva?
Você tem que trabalhar a sua essência. No meu livro (Gigante pela própria natureza, Gente Editora), eu chamo de busca da essência e do significado da vida. Essa busca pela essência e pelo nosso significado de vida é ponto nuclear para a gestão da reputação. O executivo pode fazer coisas que cumprem com o seu propósito de vida e alimentam o propósito da empresa. Construir a reputação nas duas dimensões é um ganha-ganha.
Também temos um papel formativo. Um executivo tem que atuar na plenitude dos valores da humanidade: integridade, ética, respeito incondicional. Esses valores que nós trazemos fazem parte também dessa construção da reputação.
E, depois, a questão da comunicação. A forma como nós gerenciamos a nossa exposição, a maneira como nós nos posicionamos, aquilo que nós dizemos. Eu sei que, como líder, cada palavra que eu digo pode ser bem ou mal-interpretada, mesmo quando eu falo as palavras certas, de acordo com a minha consciência.
Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
christianneschmitt@ankreputation.com.br