Empresas comprometidas devem acelerar combate à crise climática

Cientista do clima Carlos Nobre fala sobre enchentes no RS, defende neoindustrialização e diz que Brasil pode liderar a economia da biodiversidade

Clóvis Malta

Nobre: “É muito importante que o setor privado perceba a importância de se combater a emergência climática” – Crédito: World Economic Forum / Valeriano Di Domenico

O Brasil pode ser o grande líder do que chamamos de sociobioeconomia e tem todas as condições de ser o primeiro país, entre os mais poluentes, a zerar suas emissões líquidas, contribuindo de forma decisiva para evitar a crise climática. Por isso, precisa apostar em energias renováveis, se neoindustrializar, buscar a agropecuária regenerativa, que traz ganhos de produtividade, e o setor financeiro tem que ajudar muito nesse avanço. Quem faz o alerta é o cientista Carlos Nobre, um dos principais nomes globais ligados à pesquisa sobre mudanças climáticas.

Um dos autores do Quarto Relatório do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que, junto com o grupo, recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo trabalho, Nobre avalia que as enchentes no Rio Grande do Sul trouxeram uma importante mudança na percepção dos brasileiros em relação ao aquecimento global e que, por outro lado, também devem acelerar, com urgência, os projetos para a resiliência a eventos extremos.

Ainda chama a atenção para o fato de que a Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno. Se o aquecimento global não for controlado, o mundo no século 22 será praticamente inabitável nas regiões tropicais. Por isso, defende que empresas de qualquer escala, mas principalmente as grandes, comecem a demonstrar que estão realmente caminhando na área de ESG de forma muito sustentável. Sua mensagem para os líderes de corporações que querem caminhar na direção do combate às mudanças climáticas é de alento, em tom de apelo. Sob o ponto de vista tecnológico, é totalmente possível, mas a velocidade está lenta, diz. “Acelerem essa velocidade”, recomenda o cientista, que, no final de maio, foi anunciado como novo integrante do Planetary Guardians, grupo de estudos e análises sobre ação climática e proteção de comunidades vulneráveis criado pelo bilionário Richard Branson.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Reputation Feed.

Como as mudanças climáticas estão impactando as empresas, no Brasil e em âmbito global, e qual é a responsabilidade do setor privado na mitigação dos efeitos do aquecimento global e de um futuro mais sustentável e resiliente?

As mudanças climáticas estão atingindo níveis emergenciais. Os anos 2023 e 2024 são os mais quentes do registro histórico, 1,5°C mais, se comparados a 1850-1900. Os eventos extremos, como secas, chuvas extremas causando inundações e deslizamentos em encostas, ondas de calor, quebra de safra e incêndios, têm sido recordes. É lógico que o uso da energia de combustíveis fósseis é algo importante, historicamente, para todo o setor empresarial. No Brasil, a maior parte dessa queima de combustíveis fósseis é feita por veículos que usam gasolina, diesel, gás natural. Por isso, é muito importante que o setor privado perceba a importância de se combater a emergência climática. Muitos estudos mostram os riscos de ultrapassarmos a elevação média de 1,5°C na temperatura do planeta, e, se as emissões continuarem altas, poderemos atingir até 2,5°C mais até 2050, um risco inaceitável para o planeta. E o setor privado tem muito a ver com a questão: globalmente, é o que mais demanda energia. Mais de 70% das emissões vêm da queima de combustíveis fósseis – geração de energia elétrica nas usinas por meio de carvão, petróleo, gás natural. Um dos setores que mais emitem no Brasil é o agronegócio, porque quase todos os desmatamentos são para expansão da atividade. Além disso, o agronegócio tem muitas emissões de metano, principalmente na pecuária.

E o que pode ser feito na prática para mitigar a crise climática?

Nós temos um enorme desafio de zerar o desmatamento e, também, de reduzir muitas emissões da agricultura. O agronegócio brasileiro tem que acelerar a transição para a chamada agropecuária regenerativa, que mostra a viabilidade de se caminhar para uma atividade muito mais resiliente. Temos alternativas como o chamado Plano Agricultura de Baixo Carbono, lançado em 2010, mas o número de agricultores e pecuaristas que aderiram é muito pequeno, de apenas 10%. Somos o quarto maior produtor de alimentos do mundo, depois de China, Índia e Estados Unidos. A agropecuária regenerativa tem sistemas que fazem com que o impacto da agricultura e da pecuária nas emergências climáticas seja menor. Quando se tem o bioma natural, a floresta, perto da cultura agrícola, perto da pastagem, há muito mais polinizadores, a temperatura geral baixa, o equilíbrio climático é muito melhor e se resiste mais a esses extremos climáticos.

O desastre provocado pelas enchentes no Rio Grande do Sul influenciará os projetos e investimentos para a redução do aquecimento global no país? Como?

Esse evento climático extremo no Rio Grande do Sul trouxe uma importante mudança na percepção da maioria dos brasileiros sobre o porquê de os eventos climáticos extremos ficarem rapidamente mais frequentes devido ao aquecimento global provocado pela ação humana pelo contínuo aumento da emissão dos gases de efeito estufa. Assim, torna-se essencial, em todo o planeta, reduzir rapidamente as emissões desses gases. Os eventos extremos do RS devem igualmente acelerar projetos e investimentos para aumentar, urgentemente, a resiliência de milhões e milhões de brasileiros a todos esses extremos climáticos. Muitos milhões de brasileiros terão que ser deslocados para residências em áreas fora dos locais onde as chuvas extremas causam inundações às margens de rios e deslizamentos em encostas íngremes. Também é preciso implementar as chamadas “esponjas urbanas”, com ampla restauração dos biomas às margens dos rios e nas encostas, para armazenar água e reduzir erosão nos solos.

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Eventos climáticos extremos, como a enxurrada que causou a devastação de municípios no RS, como parte de Porto Alegre (acima), devem acelerar investimentos em projetos de resiliência para as populações, afirma Nobre – Crédito: Gustavo Mansur/Secom

De que forma os líderes empresariais podem lidar com o ceticismo em relação às mudanças climáticas por parte de alguns stakeholders?

Como é que se enfrenta isso na prática? Não é simples. Mas o fato é que, quando você pratica a agricultura regenerativa, tem aumento de produtividade. Com mais produtividade, aumenta o lucro. Em inúmeros países e aqui no Brasil, o sistema bancário já começa a financiar esse tipo de agropecuária.

Como as empresas podem conectar com suas estratégias de negócios as metas de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas?

O setor corporativo tem que entender que ESG é essencial. Se a gente não controlar o aquecimento global, o mundo no século 22 será outro, praticamente inabitável nas regiões tropicais. Até mesmo as latitudes médias serão inabitáveis no verão. Não é só um fator econômico. A ciência avançou muito. Em 20 anos, o preço da energia elétrica dos painéis fotovoltaicos caiu 80%. Hoje, em países tropicais como o Brasil, é muito mais barata do que a energia elétrica com gás natural ou outros combustíveis fósseis. A energia eólica também é muito mais barata. O Brasil tem um enorme potencial de várias outras formas de energia, de biocombustíveis, hidrogênio verde e, também pelas chamadas usinas de conversão térmica oceânica, por exemplo.

E como as empresas podem comunicar seus esforços climáticos de forma transparente e autêntica, evitando o greenwashing?

É importante que as empresas possam trabalhar com métricas de ESG. Não basta dizer: Eu estou fazendo, eu estou praticando. Tem que ter métrica. As medidas não podem ser algo que a empresa faça e não tenha a comprovação. É muito importante que realmente confiem nesse mercado de empresas que surgem para medir o ESG.

O que a empresa ganha sendo sustentável?

O mundo do financiamento começa a caminhar mais nessa direção, ainda que o total de recursos destinados, por exemplo, ao setor fóssil, seja mais de 10 vezes o destinado a energias renováveis – solar, eólica, hidrogênio verde. São trilhões e trilhões de dólares por ano. A visão de futuro do mundo entre jovens é muito diferente da que tinha a minha geração. Os jovens estão ficando muito preocupados com o mundo insustentável do presente para o futuro. Infelizmente, ainda pode levar décadas, mas tenho a expectativa de que esses jovens vão mudar muito a visão ESG, implementando-a principalmente nos investimentos. A gente até brinca e fala em geração da Greta (Greta Thunberg, ativista ambiental), pois quando esses jovens começarem a atingir posição de liderança, tanto no âmbito político quanto, e principalmente, no corporativo, vão rapidamente mudar.

Qual o futuro da Amazônia e o que a região tem a ver diretamente com a questão climática?

A Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno. Uma pesquisa em que eu fui o primeiro cientista a fazer – o primeiro artigo foi publicado em 1990, 34 anos atrás, e o segundo, em 1991 – alertava para o risco: olha, se continuarem desmatando, a Amazônia passa do ponto de não retorno, mais de 50% da floresta desaparece. A partir daí, a ciência avançou muito nesta área. Hoje, mostra que as regiões sul e sudeste da Amazônia estão à beira do precipício. Se nós não pararmos o desmatamento e não restaurarmos a floresta, mais de metade da Amazônia vai se tornar um ecossistema degradado a céu aberto, jogando toneladas de gás carbônico na atmosfera e impedindo o aumento da temperatura média do planeta de limitar-se em 1,5°C, a temperatura almejada com os esforços globais contra os efeitos do aquecimento global. Então, nós temos que salvar a Amazônia, zerar o desmatamento na maioria dos países amazônicos, com o Brasil liderando.

Como?

O grande potencial da Amazônia é o setor financeiro estar olhando para manter os produtos da floresta, os sistemas agroflorestais. Nós temos a maior biodiversidade do planeta, podemos criar uma bioeconomia com a floresta em pé, gerando centenas de produtos. O Brasil pode ser o grande líder do que chamamos de sociobioeconomia.

Saiba mais
  • A agropecuária regenerativa é um conjunto de práticas agrícolas e pecuárias que buscam regenerar os ecossistemas, melhorar a saúde do solo e promover a sustentabilidade da produção de alimentos.
  • O Programa ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) foi instituído no Plano Agrícola e Pecuário 2010/2011 para financiar práticas adequadas, tecnologias adaptadas e sistemas produtivos eficientes, capazes de contribuir para a mitigação da emissão dos gases de efeito estufa.
  • A sociobioeconomia é um conceito relativamente novo que vem ganhando força no contexto do desenvolvimento sustentável, especialmente na região amazônica. Diferencia-se de outros modelos econômicos que priorizam a extração e exploração de recursos, muitas vezes levando ao desmatamento e perda de biodiversidade. Acesso a financiamento, infraestrutura adequada e mercado para produtos sustentáveis estão entre os desafios.
  • Neoindustrialização é o processo de modernização e evolução da indústria, enfatizando inovação, compromisso ambiental e integração com cadeias produtivas internacionais. A neoindustrialização se conecta globalmente com políticas industriais modernas, muitas vezes orientadas por missões, que são estratégias destinadas a dar respostas aos grandes desafios da sociedade, como o combate às mudanças climáticas ou acesso à saúde de qualidade.

O valor da biodiversidade econômica no Brasil é muito pequeno, equivalente a 7% do PIB brasileiro. Nós temos que nos neoindustrializar, e o setor financeiro tem que ajudar muito nisso. Temos que desenvolver essa nova bioeconomia dos produtos da biodiversidade brasileira.

Qual a sua expectativa em relação à COP 30, de 2025, que será realizada em Belém do Pará, em novembro?

Se nós continuarmos a reduzir o desmatamento, acelerando isso em 2024 e 2025, e levarmos mais agricultores e pecuaristas para a agropecuária regenerativa, com o setor financeiro financiando; se no Brasil e em outros países da região amazônica fizerem isso; nós, coletivamente, chegaremos na COP 30 nesta direção. Seremos os líderes mundiais no combate à emergência climática. Esta é a minha expectativa otimista para a COP 30.

Que mensagem você deixaria para líderes empresariais que desejam construir uma reputação corporativa sólida e sustentável, comprometida com o combate às mudanças climáticas?

Esses líderes devem buscar métodos ESG com métricas muito rigorosas, que não sejam greenwahsing, com políticas de rápida transição para um mundo mais sustentável em duas direções. Uma delas é reduzir as emissões, o que é factível tecnologicamente. Várias grandes empresas já assumiram metas de cortar em 50% as emissões até 2030, substituindo combustíveis fósseis por formas renováveis. A outra direção, válida principalmente para o agronegócio, é aumentar a resiliência da produção. Sem isso, enfrentaremos riscos até mesmo na produção de alimentos para nós, brasileiros. Essa é a mensagem para os líderes de corporações que querem caminhar na direção do combate à crise climática: sob o ponto de vista tecnológico, é totalmente possível, mas a velocidade está lenta. Acelerem essa velocidade.

Clóvis Malta é jornalista

Clovis.malta@ankreputation.com.br


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