
Os cenários doméstico e internacional aumentaram os desafios das empresas e de seus líderes no Brasil este ano e as perspectivas são de que os esforços para enfrentá-los devem ser mantidos no curto prazo. O clima de incerteza global – volatilizado pelas medidas de tarifação do governo Trump – e fatores internos, como inflação distante do centro da meta, juros altos, elevada dívida pública e ambiente de antecipação pré-eleitoral, traz imprevisibilidade e, por isso, inspira cautela nos negócios, que devem ter o custo do capital elevado.

“Não enxergamos recessão para o Brasil, mas quando a gente coloca no radar política fiscal expansionista, política monetária restritiva, cenário internacional ainda adverso, tudo isso traz para o setor produtivo um momento de cautela.”
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating
Apesar do momento conturbado, economistas alertam que não há razões nem perspectiva de crise econômica. “Teremos turbulência, com custo do capital elevado, mas não temos um cenário de crise”, afirma o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani. Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, agência classificadora de risco de crédito, também não vê a possibilidade de um impacto mais profundo na economia brasileira. “Não enxergamos crise, recessão para o Brasil, mas quando a gente coloca no radar política fiscal expansionista, política monetária restritiva, cenário internacional adverso, naturalmente, tudo isso traz para o setor produtivo um momento de cautela”, reforça.
Com um cenário mais desafiador no horizonte, as empresas tendem a ser mais parcimoniosas em seus projetos de curto prazo, com alguma redução nos investimentos, acreditam os economistas. De acordo com Padovani, não há ainda indicadores de intenção de redução de investimentos, mas ele já percebe maior cautela neste sentido (veja quadro sobre índice de confiança na indústria ao fim do texto). “Visitei um cliente grande, com produção alta, forte, operando próximo da capacidade, mas, certamente, ele está mais cauteloso quando pensa em investimentos.”, conta.
Alguns setores mais sensíveis à alta de juros, como os de bens de consumo duráveis, entre os quais, veículos e imóveis, devem ser mais afetados. Planos estratégicos, de longo prazo, ainda devem ser preservados, afirma Agostini.
Em cenários indefinidos, há mais dificuldade para antecipar o futuro. Por isso, é natural que as operações realizadas diariamente no mercado financeiro passem a incorporar o chamado prêmio de risco.
Em um contrato de juros, por exemplo, se embute um spread adicional como forma de proteção diante do aumento da imprevisibilidade.
Grande instabilidade também gera adiamento das decisões de consumo, de produção e de investimentos.
Efeito Trump contribui para mundo menos previsível
A proximidade de 2 de abril, data anunciada pelo presidente norte-americano Donald Trump para o início de uma nova onda de tarifação a nações e blocos econômicos, também contribui para o clima de apreensão. O temor é de que a tarifação, ainda que seja uma das principais promessas da campanha eleitoral do republicano, eleve a inflação nos Estados Unidos, restringindo a possibilidade da redução dos juros e aumentando o risco de levar o país a uma recessão econômica.
A política tarifária, que tende a ser uma questão relevante de todo o mandato de Trump, torna a economia americana mais fechada e gera pressão inflacionária não só nos Estados Unidos, observa Padovani. Ao impor tarifas, os países e blocos taxados devem reagir, fechando seu mercado às compras norte-americanas, o que também aumenta seus custos e pressiona a inflação. Mas, diante da força econômica e do peso político dos Estados Unidos, o mais provável é que o país deverá impor mais tarifas do que receber retaliações numa guerra comercial. O resultado será menos crescimento global com mais inflação, diz Padovani.
Outro componente que adiciona preocupação é a situação geopolítica, como a guerra na Ucrânia. E as intervenções do presidente dos Estados Unidos nesse campo representam uma fonte a mais de instabilidade nos mercados, com reflexo nas bolsas de valores e nas decisões das empresas, afirma Padovani. “No nosso cenário, no banco, não trabalhamos com conflitos se espalhando, mas o que preocupa é o impacto financeiro disso. Claramente, caminhamos para um mundo menos previsível. Não só pelo estilo caricatural de Trump, mas, um pouco, pelas consequências práticas de não se saber exatamente quais serão as reações dos outros países e de como será esse redesenho da ordem global”, diz.
Dívida pública alta, aumento no juro, pressão no dólar e fator eleições 2026
Em relação ao cenário doméstico, uma das maiores preocupações está relacionada à trajetória da dívida pública, particularmente impactada pelo fator eleições presidenciais no próximo ano, na visão de analistas. “Ainda que as eleições presidenciais sejam apenas em 2026, o governo já vem operando a política econômica no sentido de dar estímulos de curto prazo, e isso gera uma leitura de que, neste momento, ele não vai promover ajustes importantes nas contas públicas”, afirma Padovani.
Segundo o economista, a aprovação do orçamento na quinta-feira (20/3), com três meses de atraso, não muda esse cenário. O texto aprovado pelo Congresso prevê um saldo positivo de R$ 15 bilhões nas contas públicas, projeção que ignora aumento de despesas e estimativa de arrecadação menor por grande parte de especialistas. Conforme Padovani, o resultado é irrelevante, porque a dinâmica de dívida exigiria hoje, devido à taxa de juros, um superávit primário muito mais elevado. “Todo mundo sabe que o esforço fiscal que seja feito não será suficiente para mudar a dinâmica da dívida pública”, afirma. “Então, tem um problema de falta de credibilidade, confiança.”
Entre estímulos considerados de curto prazo, está a ampliação de programas de distribuição de renda, como o empréstimo consignado com o FGTS de garantia e a proposta de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, e o aumento da oferta de crédito dos bancos públicos. ”Por um lado, o Banco Central fecha a torneira, por outro, o governo abre; então, a gente não consegue equilibrar as forças”, compara Agostini. “A gente sabe que isso acaba tirando a eficiência da política monetária.”
“A combinação do cenário global com dívida pública impacta fluxos financeiros para o país, pressiona a cotação (do dólar), o custo das empresas, que o repassam, e a inflação, que mostra dificuldade de queda. Isso leva a uma postura muito cautelosa do nosso Banco Central.”
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV
Focus projeta redução de inflação, mas ainda acima da meta
Em sua última decisão (19/3), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou, pela quinta vez seguida, a taxa básica de juros, a Selic, de 13,25% para 14,25% ao ano, para seu maior patamar desde outubro de 2016. Em nota, explicou que a decisão se deu em um “cenário adverso” para a convergência da inflação, mas já antecipou um ajuste de menor magnitude na próxima reunião, se confirmado o quadro esperado.
O boletim Focus desta segunda-feira (24/3) mostra que os economistas consultados pelo BC reduziram, pela segunda semana consecutiva, a expectativa para o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) de 2025, que passou de 5,66% para 5,65%. Mesmo com o recuo leve, a inflação projetada ainda está muito acima do centro da meta (3%) e do teto (4,5%). Além disso, o mercado piorou sua visão sobre o crescimento econômico, reduzindo a previsão do PIB de 1,99% para 1,98% neste ano. Desde janeiro, quando estava em 2,02%, essa é a terceira revisão para baixo do mercado para o desempenho da economia em 2025.
O dólar projetado para 2025 caiu de R$ 5,98 para R$ 5,95, refletindo desvalorização de 7,5% no ano. Os níveis atuais do câmbio, mesmo que apresentem alívio em relação ao final do ano passado, ainda são os mais altos em cinco anos, afirma Padovani. No ano passado, o real foi a sexta moeda que mais se desvalorizou em relação ao dólar em ranking de 118 países elaborado pela Austin Rating. A desvalorização foi da ordem de 27%, fechando a R$ 6,179.

BC sinaliza alta menor de juro em maio
Falta de confiança
O Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), demonstra pessimismo dos líderes do setor em relação ao cenário atual. Em março, pelo terceiro mês consecutivo, o indicador não ultrapassou a marca dos 50 pontos, que separa confiança de falta de confiança, ficando em 49,2 pontos. O subíndice Índice de Condições Atuais, por exemplo, caiu 0,4 ponto em março em relação a fevereiro, para 44 pontos. No entanto, pelo ICEI, realizado entre 6 e 12 de março, aumentaram as perspectivas positivas para os próximos seis meses, pois o Índice de Expectativas subiu 0,3 ponto, para 51,8 pontos.
ICEI e seus componentes
Índices de difusão*
MAR 24 | FEV 25 | MAR 25 | |
ICEI | 52,8 | 49,1 | 49,2 |
Condições atuais¹ | 47,5 | 44,4 | 44,0 |
Economia Brasileira | 44,1 | 37,0 | 36,6 |
Empresa | 49,2 | 48,2 | 47,6 |
Expectativas² | 55,4 | 51,5 | 51,8 |
Economia Brasileira | 49,7 | 42,8 | 43,0 |
Empresa | 58,2 | 55,8 | 56,2 |
Perfil da amostra
1.189 empresas, sendo 455 de pequeno porte, 450 de médio porte e 284 de grande porte
Período de coleta
De 6 a 12 de março de 2025
¹ Em comparação com os últimos seis meses
² Para os próximos seis meses
Fonte: CNI
Nota de risco do Brasil não muda
Apesar do momento exigir diligência, não há por que esperar momentos piores. Segundo Agostini, como agência de classificação de risco, a Austin Rating não vê motivos para piorar a nota de crédito, ou seja, fazer o chamado down grade, e nem para melhorar. “A nota do país segue em observação, e o crescimento econômico, de alguma forma, está ajudando a amenizar o impacto na relação dívida/PIB”, afirma. A agência classifica o Brasil com nota de crédito BB+, a um degrau de obter grau de investimento, considerado o selo de bom pagador da dívida.
. Christianne Schmitt é editora do Reputation Feed
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