A percepção externa do Brasil melhorou nos últimos meses, com a volta do país aos fóruns internacionais, o que ainda contrasta com a visão da situação interna, marcada por instabilidade. Essa é, em síntese, a avaliação do ex-embaixador do Brasil em Washington e Londres entre os anos 1990 e início dos 2000 Rubens Barbosa sobre a imagem do país no Exterior. O diplomata entende que a saída para o país reforçar reputação em âmbito global é o soft power com ênfase em negociação internacional e multilateral, além da transmissão de grandes conhecimentos.
Em entrevista concedida de Paris ao Reputation Feed, via online, o diplomata reforça que o Brasil precisa apostar particularmente em três áreas nas quais é uma potência e exerce poder de influência: a política ambiental, a política alimentar e a energia renovável. Esse é o caminho, na avaliação do também presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), um think tank independente, para o Brasil se livrar de estereótipos que ainda persistem além de suas fronteiras.
Hoje, a percepção sobre o país voltou a ser positiva, mas muita gente ainda o vê como praia, sol, mulher, futebol. E é preciso desfazer a ideia de que somos o país do futuro, alega. A alternativa que vê para o Brasil romper com essa imagem é apostar nas áreas em que é reconhecido como referência. “O Brasil tem que atuar dentro de temas globais que todo o mundo acompanha, todo mundo percebe”, recomenda.
O diplomata acredita que o soft power do Brasil é cultural, de assistência técnica: “O Brasil não é uma potência nuclear. A sua vocação é o soft power de negociação internacional, multilateral, de transmissão de grandes conhecimentos. O Brasil, no setor agrícola, com a Embrapa e em outras áreas, está na linha de frente da pesquisa global. A gente não aproveita isso”. Na avaliação de Barbosa, o soft power – conceito criado pelo cientista político Joseph S. Nye, da Universidade Harvard –, que tem como fonte política externa, cultura e valores políticos, projetaria o Brasil de uma maneira muito diferente do que ocorre hoje.
É a primeira vez na história em que o país tem um poder por meio do qual pode fazer valer seus interesses nessas três áreas, de forma consecutiva – energias limpas, segurança alimentar e, sobretudo, na questão ambiental, com a Amazônia, ressalta. Sob o ponto de vista de sustentabilidade, o diplomata diz que houve uma mudança para melhor, com os avanços na política do clima e em relação ao tratamento da floresta amazônica, mas falta mais: “O Brasil não capitaliza nem a questão da segurança alimentar, nem a da energia renovável, em que é forte. O país não sabe aproveitar o seu valor nessas três áreas, em que é uma potência global”.
Nas questões de segurança alimentar e energias limpas, o ex-embaixador alega que o Brasil poderia fazer como outros países estão fazendo: fixar regras. “Estamos vendo a União Europeia fazer isso para o meio ambiente, com o Green Deal. O Brasil, como potência, poderia recusar, poderia de alguma maneira colocar medidas contra a União Europeia. O país é um rule-taker, não é um rule-maker. E, nessas três áreas, poderia ser um rule-maker.”
O ex-embaixador se mostra cético em relação às metas das políticas de ESG, não só no Brasil, mas em âmbito global. Uma das razões é o fato de o conflito envolvendo Rússia e Ucrânia ter levado ao maior uso de carvão por parte de países europeus para a geração de energia, algo até há pouco mais associado à China. “Essa guerra foi um fator de desorganização do mercado energético, do mercado de alimentos. Nós estamos arriscados a ter uma situação que fuja do controle, com o conflito saindo da Ucrânia para outras áreas. O mundo, nesses próximos anos, vai crescer menos, vai ter mais inflação. Isso afetará não só os países desenvolvidos, mas sobretudo os países em desenvolvimento.”
Há desinformação sobre o agronegócio
Segundo Barbosa, no Exterior, por falta de informação, as pessoas associam erroneamente fatos negativos da Amazônia com o agronegócio: “O agro brasileiro avançou brutalmente em termos tecnológicos. O Brasil, junto com a União Europeia, com a China, com os Estados Unidos, está entre os maiores produtores agrícolas. E isso não ocorre por facilidade ou por favor de alguém. Melhorou por causa da tecnologia.”
Investimentos em tecnologia colocaram Brasil entre os maiores produtores agrícolas do mundo, destaca Barbosa – Foto: Shutterstock
Ainda assim, reconhece alguns excessos na Amazônia, sobretudo na área da pecuária, que são explorados de forma negativa no Exterior. “A soja, o milho não são produzidos nessas áreas desmatadas, a não ser marginalmente. Mas aí, principalmente a Europa, explora isso por razões protecionistas, sobretudo França, Áustria, Grécia, Polônia, Irlanda. E vira um fator negativo, quando o que há é desinformação. Mas o Brasil precisa assumir o compromisso de impedir qualquer desmatamento ligado à exploração pecuária, inclusive com programas de regeneração de plantio dessas áreas que foram desmatadas há muito tempo.”
País tem que ocupar espaço regional
Na avaliação do ex-embaixador, o país também precisa se firmar mais em relação aos demais países latino-americanos:
“O Brasil vai se valorizar e ter sua posição reconhecida na medida em que ocupar um espaço na América do Sul. Se o país liderar na região, terá uma projeção muito mais fortalecida do que é hoje individualmente. Esse é um outro fator que deveria ser corrigido no futuro para projeção externa..”
Quanto à aproximação com o bloco Sul, por meio do Brics, Barbosa não vê condições de avanço imediato, devido à guerra entre Rússia e Ucrânia. “Mas, com exceção da África do Sul, que tem peso político menor, os países que integram o Brics – além do Brasil, Rússia e África do Sul, a China e a Índia – vão exercer uma função muito importante no cenário global.”
Protecionismo é o name of the game
Em relação ao fato de o Brasil ainda ter uma economia fechada e de os avanços nas negociações multilaterais se mostrarem lentos, o diplomata não vê motivo para preocupações: “Isso não afeta muito, não. As empresas multinacionais sempre se interessaram pelo Brasil devido ao tamanho do mercado interno.”
“As empresas multinacionais sempre se interessaram pelo Brasil devido ao tamanho do mercado interno.”
Sobre as negociações multilaterais, acredita que a situação tem melhorado com os acordos comerciais do Mercosul, bloco para cuja criação teve participação decisiva nas negociações com a Argentina. “Estamos próximos de fazer um acordo de livre comércio com a União Europeia, negociando com Cingapura. Aos poucos, essa questão dos acordos comerciais vai sendo gradualmente modificada. Mas isso aí não é problema, pois todos os países, hoje, embarcaram no protecionismo – na Europa, nos Estados Unidos. Protecionismo é hoje o name of the game.”
Rubens Barbosa também acompanha com atenção o fato de o mundo estar entrando numa fase de transição para o cenário pós-ocidental, que vai levar alguns anos: “Em relação a esse mundo, o asiático, o Brasil até que está bem situado. China e Índia voltarão a ocupar o lugar que tinham no passado. A Ásia vai dominar o mundo, politicamente, economicamente e comercialmente. A Índia já passou a China em termos de população. Então, você tem, hoje, Estados Unidos, Índia e China entre os maiores, dois deles asiáticos. Daqui a alguns anos, pode haver alguma reação como ocorreu com Atenas diante da emergência de Esparta. Com guerra ou sem guerra, a China vai ocupar esse lugar.”
Clovis Malta é jornalista
Clovis.malta@ankreputation.com.br