A devastação provocada pelas águas no Rio Grande do Sul tem sido comparada à deixada pela passagem do furacão Katrina no sudeste norte-americano em 2005. Cada situação tem suas especificidades, e há também as diferenças entre os países, mas alguns aprendizados podem fazer sentido para o que está acontecendo no Sul do país.
A equivalência não se deve apenas à dimensão do desastre, mas também à reação imediata de muitas empresas para auxiliar as vítimas – embora, também nos Estados Unidos, tenham sido alvo de críticas na época. Como afirmou a então chefe do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres, Margareta Wahlström, o “verdadeiro legado” do Katrina foi criar consciência sobre a importância da gestão de risco de desastres em todo o mundo.
O Katrina, já potencializado pela crise climática, provocou inundações e destruiu a infraestrutura do sudeste dos Estados Unidos, causando a morte de mais de 1.800 pessoas, além de exigir o resgate de outras 500 mil.
Quase 19 anos depois, New Orleans, a cidade mais afetada pela avalanche de água na Luisiana, segue longe de ter se recuperado totalmente. A tragédia humana, porém, poderia ter sido maior sem a expertise em logística e planejamento de algumas organizações privadas, que agiram rápido, depois da inundação, na tentativa de compensar a lentidão da burocracia oficial dos Estados Unidos. Falhas na atuação da Federal Emergency Management Agency (FEMA) e na falta de um plano de reconstrução eficaz, por exemplo, foram relatadas pelo The Washington Post. Assim como o The New York Times destacava a falta de preparação e coordenação adequadas, que resultou em atrasos significativos no socorro às vítimas e na reconstrução das áreas afetadas.
Diante das críticas à ineficiência do setor público, a resposta do setor privado ao Katrina tornou-se um modelo seguido em outros desastres naturais, motivando ações semelhantes em diferentes partes do mundo. Algumas iniciativas colocadas em prática no sudeste norte-americano estão sendo replicadas hoje no sul do Brasil, como a substituição temporária de fabricação de cerveja para fornecer água potável em latas ou de ajustes nas operadoras de telecomunicação para facilitar os contatos interpessoais. Nos Estados Unidos, o FedEx cedeu transporte gratuito para suprimentos e entregou mais de 1 milhão de pacotes de ajuda; no Brasil, empresas com foco em logística se uniram aos esforços de voluntários e de governantes para apressar resgates e transportar doações de todos os pontos do país.
Falhas e acertos
Muitas empresas, principalmente as responsáveis por serviços essenciais como energia elétrica e comunicações, no entanto, tiveram dificuldade para restabelecer rapidamente suas operações. A maioria não tinha planos de contingência adequados para lidar com desastres naturais de grande escala. E, assim como no Brasil de hoje, também nos Estados Unidos de quase duas décadas atrás houve, no início da crise, denúncias de aumento de preços de produtos essenciais.
Contratada na época para auxiliar na resposta ao desastre, a Halliburton, multinacional que oferece serviços à indústria de exploração e produção de petróleo, foi criticada por atrasos e ineficiência. Muitas companhias de seguros atrasaram ou negaram indevidamente pagamentos de indenização.
Até mesmo uma ação do ator Brad Pitt, por meio da instituição Make It Right, fundada por ele, acabou malsucedida. Casas construídas para os desabrigados começaram a enfrentar problemas menos de um ano depois de entregues. Moradores relataram mofo, incêndios elétricos, além do fato de a arquitetura atraente e sustentável ser inadequada para o clima da região. O desfecho ocorreria só em 2022, quando Pitt concordou em juízo pagar uma indenização de US$ 20,5 milhões (aproximadamente R$ 105,9 milhões) aos moradores, com o objetivo de reparar os problemas.
O Walmart, uma das maiores corporações de varejo do mundo, foi acusado de fechar lojas logo após o furacão, privando os moradores de acesso a itens essenciais.
Outras iniciativas nos EUA:
- O Google disponibilizou mapas e informações de localização em tempo real para ajudar equipes de resgate a encontrar abrigo por meio de rotas seguras;
- A AT&T, da área de telecomunicações, deu prioridade ao restabelecimento das linhas telefônicas e ofereceu comunicação gratuita para as vítimas;
- Farmacêuticas como Pfizer, AstraZeneca, Merck, Wyeth, Eli Lilly e Johnson & Johnson, entre outras, tiveram papel relevante no fornecimento de produtos, entre os quais antibióticos – valiosos para quem fica exposto a infecções na água.
Mesmo assim, o Walmart acabaria se destacando em sua atuação na fase inicial de resgate e acolhimento dos sobreviventes no Golfo do México. Na época, o The Washington Post chegou retratar a rede de varejo como um modelo de eficiência logística e planejamento ágil, o que lhe permitiu entregar rapidamente produtos básicos como água, combustível e papel higiênico para milhares de desalojados.
O Post ressaltou também a capacidade da empresa de “levar os produtos onde eles são necessários, quando são necessários – ou antes”. E por que isso foi possível? Porque, quatro semanas antes do furacão, quando a gravidade dos danos já podia ser antecipada, o Walmart estava providenciando uma quantidade considerável de galões usados para água ou gasolina, por exemplo.
Quando o produto faltou nas demais redes, a empresa seguia com estoque disponível. Entre outras ações, a rede ofereceu às vítimas a oportunidade de postarem mensagens para seus familiares usando a web nas lojas Walmart e Sam’s Club. A crise, definitivamente, mudou a forma do Walmart fazer negócios.
A Home Depot, uma das maiores empresas varejistas de melhorias para o lar do mundo, também manteve o atendimento à clientela depois da passagem do Katrina, porque se antecipou aos fatos. A iniciativa lhe permitiu seguir vendendo um equipamento precioso depois do furacão: geradores de energia, que asseguraram a continuidade do funcionamento da própria rede. A empresa forneceu materiais de construção e ferramentas, além de voluntários para ajudar na reconstrução das áreas atingidas.
As fases do enfrentamento
Numa situação de desastre como a de New Orleans ou a do Rio Grande do Sul, essas ações correspondem à chamada primeira fase, com duração variável, dependendo da capacidade de resposta na região atingida, e que envolve uma avaliação dos danos para entender as necessidades. É a etapa das operações de resgate, fornecimento de assistência médica emergencial e definição de abrigos temporários para desabrigados. Inclui também o restabelecimento de serviços essenciais, como água, eletricidade e saneamento.
O retrospecto de desastres semelhantes deixa como ensinamento que, depois dessa primeira fase, vêm a de estabilização, a de recuperação e reconstrução, que pode levar dois anos e demanda investimentos expressivos. Finalmente, é a vez da etapa de desenvolvimento sustentável, que pode chegar a dez anos.
As lições deixadas pelo Katrina, como a relevância do planejamento e de uma resposta rápida, podem contribuir com empresas brasileiras diante das enchentes no Sul. As contribuições do setor privado foram mais eficazes no início do desastre, quando a necessidade de ajuda imediata era crítica e as diferentes instâncias de governo ainda tentavam driblar a burocracia. Os aprendizados servem também para evitar a repetição de erros cometidos na ocasião, como a falta de coordenação e comunicação.